segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Novas start-ups de delivery exploram modelo Uber e mudança de hábitos


Danielle Almeida, de 27 anos, é “shopper” do Rappi e fica baseada em um supermercado na Zona Sul do Rio: de 70 itens para um só cliente ao simples pedido de um arroz para o almoço - Roberto Moreyra / Agência O Globo


A crescente falta de tempo dos brasileiros, o ocaso dos Correios e o desemprego agudo dão à luz um novo modelo de start-ups de entregas. Das que têm apps que prometem entregar qualquer coisa em velocidade ultrarrápida a outras que contornam o obstáculo de levar encomendas a quem mora em áreas de risco ou nunca está em casa, essas start-ups se inspiram nas filosofias de Uber e Amazon e têm conquistado parcerias com varejistas de todos os tamanhos, das Casas Bahia à farmácia da esquina.

Dois exemplos são Rappi e Glovo, que chegaram ao Rio há poucos meses. As duas têm a mesma proposta — entregar qualquer produto, mesmo de lojas não cadastradas, em questão de minutos —, o que só se tornou possível graças a evoluções recentes de tecnologia e hábitos de consumo.

Um dos pilares é a rede colaborativa de entregadores, que aplica ao delivery o modelo do Uber. O chamado crowdshipping só pôde amadurecer após a popularização de smartphones com geolocalização e pacotes de dados acessíveis a qualquer um. Na outra ponta, Rappi e Glovo estabeleceram seus sites como marketplaces, conceito inventado pela Amazon e que permite a diversas varejistas venderem seus produtos em um mesmo site, formato que vem se consolidando no e-commerce brasileiro. Nos dois sites, é possível comprar do sanduíche do Subway ao pacote de grão de bico do mercado de bairro.

‘SHOPPERS’

Mas, segundo Bruno Raposo, do Glovo, a maior novidade do modelo das duas concorrentes é seu caráter tridimensional. Diferentemente dos percussores do delivery via app, como iFood, as novas start-ups lidam com três públicos ao mesmo tempo: clientes, estabelecimentos e entregadores.

— A tarefa é equilibrar as expectativas de todos esses lados já que, no fundo, os três são nossos clientes — diz Ricardo Bechara, diretor de expansão da Rappi, que está em dez cidades do Brasil e cobra fretes a partir de R$ 6,90 por entrega.

Esse equilíbrio é um desafio, já que os três públicos precisam crescer juntos, para nenhum lado ficar desabastecido, explica Luís Gustavo Lima, da aceleradora de start-ups Ace. E isso depende sobretudo de investimento, acrescenta. As duas estrearam nas capitais com marketing agressivo, graças a investimentos milionários: a Glovo anunciou aporte global de € 115 milhões no mês passado, enquanto a Rappi levantou em março US$ 185 milhões com investidores externos. Para expandir sua base de entregadores, a Glovo os paga mesmo quando não há entregas no Rio.

O equilíbrio também requer o que os especialistas chamam de “densidade”: é preciso ter uma concentração grande de entregadores e estabelecimentos cadastrados em determinado local para que os clientes satisfaçam sua principal demanda: receber o produto em menos tempo do que demorariam para comprá-los por conta própria. A Glovo diz ter prazo médio de 37 minutos no Rio, e a Rappi, de 29 minutos. Essa necessidade é crescente entre consumidores de classe média alta, observa Leonardo Julianelli, sócio da consultoria de logística Ilos.

— Para esse público, o custo de oportunidade associado ao tempo é muito elevado. Tarefas cotidianas, como ir ao sapateiro ou à farmácia, tomam um tempo que poderia ser aplicado em atividades mais produtivas. Aí, faz sentido ter alguém que cumpra o papel de concierge. Só que, dado o nível de renda no Brasil, essa demanda é muito de nicho — afirma. — Também é limitador o fato de que, para a maioria dos produtos, a entrega ultrarrápida é desnecessária.

Ilustra esse hábito de consumo a figura do shopper. Esse profissional recebe os pedidos dos apps, seleciona os produtos nas gôndolas e encara a fila do caixa no lugar do clientes. 

A prática tornou-se corriqueira em cidades americanas por meio de apps como o Instacart. 

Em certa cena da série “Silicon Valley”, sátira da HBO sobre o Vale do Silício, o protagonista percebe ser o único fazendo compras para si próprio em um mercado da região.

— Tem gente que faz compra de mês pelo aplicativo. Uma vez, selecionei 70 pedidos para um só cliente. Outros pedem apenas um item, como um arroz para o almoço do dia — conta Danielle Almeida, de 27 anos, shopper do Rappi baseada em um supermercado Extra em Copacabana.

DESEMPREGO AUMENTA OFERTA

Mesmo concorrendo com gigantes como Uber e 99Táxis, os novos apps de delivery não encontram dificuldade para arranjar entregadores em um país com 13 milhões de desempregados. Os apps são vistos como oportunidade de renda, enquanto a ampla oferta de mão de obra permite manter os fretes atraentes para os consumidores.

— O principal desafio para essas empresas será lidar com uma economia com desemprego menor — prevê Luís Gustavo Lima, da aceleradora Ace.

A Eu Entrego já tem 40 mil entregadores cadastrados, sendo oito mil no Rio, segundo o cofundador Vinícius Pessin. Essa escala permitiu que a start-up, que nasceu focada em pequenas entregas colaborativas entre pessoas, feitas até a pé ou de bicicleta, evoluísse para incluir serviços a grandes varejistas. Em maio, ela fechou contrato com a Via Varejo para entregar encomendas para os sites de Casas Bahia e Pontofrio. A companhia também tem parcerias com o site de rações da BRF e com a Natura.

Outros modelos também emergem. A Pegaki entrega encomendas para e-commerces como a Dafiti. Em vez de levar o produto à casa do cliente, ela deixa a compra em pontos de retirada em lojas físicas de redes como Carrefour e 5àsec. O foco são consumidores que não estão em casa porque moram sozinhos e trabalham fora, uma tendência demográfica, ou que moram em área de risco.

— Queremos resolver também o problema do espaço ocioso em lojas do varejo, e o de muita devolução do e-commerce — conta o sócio João Cristofolini.




Rennan Setti, O Globo