terça-feira, 14 de agosto de 2018

Compra de Pasadena pela Petrobras foi discutida como 'pauta axilar'

Vista da Refinaria de Pasadena, no canal de Houston, no estado do Texas (EUA)
Vista da Refinaria de Pasadena, no canal de Houston, no estado do Texas (EUA) - Agência Petrobras



A leitura do relatório em que a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) acusa 12 conselheiros e diretores da Petrobras pela falta de cuidado com os interesses da companhia na aprovação da compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos mostra que, se eles não teriam como imaginar que a empresa era alvo de um pesado esquema de corrupção, trabalhavam com uma atenção mínima, o que, aparentemente, pode ter facilitado que as irregularidades na estatal prosperassem.
O teor do documento, sobre os procedimentos internos sem qualquer controle na estatal, salta ainda mais aos olhos em tempos em que o Congresso pode derrubar um dos principais avanços conseguidos pela Lei 13.303/2016, que trata da governança das estatais. A Câmara aprovou a retirada do veto a indicações políticas para o cargo de direção da empresa. Agora o assunto deve ir ao Senado e entidades do mercado, como IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) e Amec (Associação dos Investidores no Mercado de Capitais) já fizeram apelos públicos para que esse retrocesso não seja permitido. 
Debaixo do braço 
 
A compra da refinaria americana, que causou prejuízo de US$ 580 milhões à estatal, foi tratada na diretoria como uma "pauta axilar". Conforme as normas da empresa, os assuntos tratados nas reuniões dos diretores deveriam ser encaminhados com dias de antecedência, para que os assessores dos executivos pudessem analisá-los.
O tema Pasadena não entrou na pauta prévia porque chegou na hora da reunião com o diretor responsável, que o trazia "debaixo do braço" –daí o nome "axilar". Uma pauta era dessa categoria na Petrobras se houvesse necessidade de sigilo das informações, para evitar vazamentos; ou, ainda, se necessitasse de uma tomada de decisão rápida.

A CVM acusa de falhas no dever de diligência como administradores da Petrobras nesse episódio a ex-presidente Dilma Rousseff, à época ministra da Casa Civil, Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda, o então presidente da petroleira, José Sergio Gabrielli, e os ex-diretores Guilherme Estrella, Nestor Cerveró, Paulo Roberto Costa, Renato Duque, Almir Barbassa e Ildo Sauer. Completam a lista o economista Claudio Luiz da Silva Haddad, hoje presidente do conselho de administração do Insper, Fabio Barbosa, ex-Santander e Gleuber Vieira, general da reserva. 
Diversas vezes no relatório de 90 páginas, ao qual a Folha teve acesso, a CVM faz a ressalva de que não cabe a ela avaliar preços e condições de aquisições pelas companhias abertas. Mas destaca parecer bastante perceptível a qualquer um que examinasse a operação Pasadena com a devida atenção que a compra da refinaria havia sido apresentada ao conselho duas vezes.
Na primeira, falava na aquisição de 70% da empresa. Na segunda, esse percentual descia para 50%, no entanto, o valor a ser pago era superior.
O que aconteceu na aprovação desse processo é um festival de displicências. O fato de ser uma pauta "axilar", analisada de "bate pronto", foi usado como justificativa para que nenhum administrador se atentasse para a  omissão de informações relevantes sobre o negócio, como falta de dados sobre aspectos negativos da operação. Outros documentos que se diziam anexados, não estavam de fato –mas  ninguém percebeu.
Os papéis que traziam cláusulas que acabaram sendo cruciais para o prejuízo da petroleira no negócio, como uma opção de compra, foram retirados “por engano, em virtude da grande quantidade de documentos e pela pressa”. Essas teriam sido as justificativas de funcionários da estatal. 

CONFIANÇA

Nas defesas iniciais apresentadas à autarquia, boa parte dos acusados aponta a falta ou omissão   de documentos como uma razão para não terem tomado a melhor decisão –mas nenhum se culpa por não tê-los cobrado. 
O ex-diretor Barbassa afirmou que a apresentação dos diretores Cerveró e Costa, ambos delatores do esquema de corrupção na Petrobras, deu o respaldo necessário à aprovação do negócio. Gleuber Vieira também destacou que essa apresentação “não deixou dúvidas”. Estrella disse que houve omissão de avaliações financeiras que poderiam ensejar mais discussão antes da aprovação. Mas ele destacou que o ambiente na empresa era de confiança  –embora, com as informações hoje, tenha certeza de que o processo “estava viciado pela ocorrência de atividade criminosa”.
Viera também alegou que os membros do conselho eram muito competentes, “havendo um sentimento de confiança mútua, o que dava tranquilidade para a tomada de decisões”. 
A ex-presidente Dilma disse ainda que desconhecia uma apresentação sobre opção de compra prevista na operação feita em reunião do conselho em novembro de 2005 –mesmo tendo participado da reunião.
A avaliação da área técnica da CVM foi de que não houve, da parte dos administradores da empresa, uma decisão informada e refletida, pois eles “sequer solicitaram avaliações financeiras realizadas, tampouco leram os documentos de suporte à aprovação do projeto, contentando-se com as apresentações feitas por funcionários” da diretoria de da área internacional e com os avais dados por Cerveró e Costa.
A  autarquia observa, ainda, que o fato de Pasadena ter sido apresentada como uma "pauta axial"  deveria, em tese, "elevar seu padrão de diligência”. 

PROPINA

A certa altura, o relatório da CVM relata que Cerveró, então diretor de da área internacional da Petrobras, confirmou o recebimento de vantagens indevidas pela aprovação da aquisição de Pasadena. Mas salientou que essas vantagens não estavam ligadas à aprovação da compra, “pois seriam pagas em qualquer aquisição, independente do ativo, sendo inerente a negociações desse tipo”. Por este motivo, disse à CVM entender que não teria havido por parte de outros funcionários da Petrobras erros, omissões de documentos, ou qualquer outro subterfúgio para facilitar a aprovação do projeto, “pois não haveria necessidade de isso ocorrer”.
Algumas páginas à frente, a acusação da área técnica da autarquia diz que a alegação é pouco plausível, já que os subordinados de Cerveró também receberam propinas. Costa, que respondia pela área de refino da estatal, disse que recebeu vantagens indevidas para não atrapalhar o negócio porque poderia ter colocado alguns empecilhos à conclusão da operação. Após o relatório da autarquia, os acusados deverão apresentar suas defesas ou solicitar um acordo para encerrar o processo sem um julgamento pelo colegiado da CVM.
Ana Paula Ragazzi, Folha de São Paulo