segunda-feira, 16 de julho de 2018

"Hora de defender o teto de gastos", por Guilherme Tinoco

A situação fiscal do país é extremamente preocupante. A dívida bruta atingiu 77% do PIB na última leitura, o maior valor da série histórica

À medida que se aproximam as eleições de outubro, debates econômicos mais estruturais vão ganhando corpo e, assim como em 2014, o tema fiscal continua como protagonista.

Nesse sentido, uma das discussões mais relevantes diz respeito à revogação ou não do teto de gastos.

Como se sabe, o teto foi instituído pela Emenda Constitucional 95/2016 e congelou o gasto federal em termos reais por pelo menos dez anos. Rapidamente, se tornou o vilão favorito da oposição, que se engajou na defesa de sua imediata revogação.

Segundo esta visão, o teto provocaria uma forte austeridade do gasto público, levando ao “desmonte do Estado”. Além disso, teria consistido em medida antidemocrática, ignorando o fato de que ela foi aprovada com ampla maioria nas duas casas legislativas. Por fim, seria incompatível com os princípios da Constituição de 1988.

Poderíamos começar o contraponto a esta visão chamando atenção para a regra de ouro, instituída nesta mesma Constituição, que, para ser cumprida nos próximos anos, exigiria um ajuste de despesas muito mais drástico do que o teto. Neste caso, o culpado pela austeridade teria que ser buscado no fim dos anos 80.

Nosso contraponto, contudo, seguirá outro caminho. O objetivo deste artigo é reforçar a importância da responsabilidade fiscal, objetivo para o qual o teto parece ser o melhor instrumento disponível no momento.

Como é amplamente conhecido, a situação fiscal do país é extremamente preocupante. A dívida bruta atingiu 77% do PIB na última leitura, o maior valor da série histórica. O governo federal gasta mais do que arrecada desde 2014, com déficits acima de R$ 100 bilhões nos últimos três anos. O corte do gasto é dificultado pelo fato de cerca de 90% da despesa serem obrigatórios, sendo a metade relacionada a benefícios previdenciários e assistenciais. Para piorar, a trajetória futura dos gastos é crescente, principalmente em razão do envelhecimento da população.

Infelizmente, boas propostas para solucionar a situação fiscal ainda não foram apresentadas por aqueles que mais criticam o teto.

O aumento na carga tributária, sobretudo da parcela mais rica da população, pode até ser considerada medida interessante, mas está muito longe de resolver o problema, considerando as estimativas disponíveis para o desequilíbrio fiscal. Já a proposta de resolver o fiscal através do crescimento via gasto público faz pouco sentido à luz das evidências sobre o tamanho do multiplicador do gasto e da elasticidade da receita ao PIB.

Foi justamente pensando no campo das soluções factíveis que a equipe econômica propôs o teto de gastos, que nada mais é do que uma regra fiscal.

Na verdade, regras fiscais são cada vez mais usadas internacionalmente, como atesta documento recente do FMI. Dentre os seus tipos mais usuais, as que miram na despesa são consideradas vantajosas principalmente por permitirem um melhor equilíbrio entre flexibilidade e simplicidade. Não parece haver, portanto, nada que desabone a regra brasileira.

Vale destacar ainda que, no caso brasileiro, o limite de gasto não pode ser considerado austero. Seus efeitos se distribuem ao longo do tempo, justamente para evitar uma forte contração no curto prazo. Como exemplo, as despesas de 2018 deverão crescer mais de 7% em termos nominais em relação a 2017, evidenciando que a crítica da austeridade não tem muita correspondência com a realidade.

Em todo caso, o leitor pode estar se perguntando sobre os resultados gerais obtidos até o momento. Um ponto a favor do teto é que ele gerou considerável economia para o governo federal, ao contribuir para redução na curva de juros desde sua implementação.

Por outro lado, tem-se que admitir que ele ainda não foi capaz de fazer com que o Congresso se engajasse no verdadeiro ajuste fiscal. Este teste, no entanto, certamente ficará para 2019, quando o teto estará extremamente apertado e poderá atuar como um propulsor da reforma da Previdência, sob pena de descumprimento da regra e da execução das medidas punitivas previstas em seu desenho.

Na verdade, essa é de fato a ideia do teto. O risco de não cumprimento é que deve fazer com que as reais medidas de ajustes sejam adotadas. Não há pior hora, portanto, para defender a sua revogação.

Guilherme Tinoco é economista

O Globo