quinta-feira, 19 de julho de 2018

Gasto com pessoal não para de crescer na Infraero e complica capitalização


Ao contrário do que indica o senso comum, a Infraero não se tornou uma empresa mais enxuta desde o início das privatizações dos aeroportos, que encolheram a participação e as funções da estatal nesses empreendimentos.
Ela chegou a reduzir o número de funcionários de 14,2 mil em 2012 para menos de 10 mil em 2017, mas o peso do gasto com os trabalhadores não para de crescer.
Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos - Divulgação
Esse inchaço nos custos da folha de pagamento é um dos entraves para que a Infraero possa abrir o capital, operação que renderia até R$ 16 bilhões em receitas para a União.
O diagnóstico, traçado pela consultoria Roland Berger, alerta que a capacidade da empresa de atrair capital privado ficará reduzida após a próxima rodada de concessões, prevista para dezembro --quando serão leiloados 13 aeroportos em blocos.
Se em 2011 o custo com pessoal era de R$ 1,7 bilhão, ou seja, 55% dos R$ 3,1 bilhões de custos operacionais, em 2016, os funcionários passaram a representar 68% dos custos operacionais, atingindo R$ 2,1 bilhões, segundo estudo da Roland Berger.
O descompasso ocorreu porque a Infraero ainda mantém mais trabalhadores na folha de pagamento do que seria necessário após a privatização de grandes aeroportos, como Brasília e Guarulhos, licitados em 2012.
A estatal passou a ter menos passageiros e menos receita, em uma bola de neve potencializada por reajustes salariais e benefícios.
De 2011 a 2016, o volume de passageiros da empresa caiu 42% e as receitas foram 21% inferiores. Em 2017, o prejuízo chegou a R$ 1,8 bilhão.
Antes das licitações, havia a expectativa de que muitos funcionários seriam aproveitados pelas concessionárias, mas a maior parte, 88% dos colaboradores dos aeroportos que saíram nas três primeiras rodadas de leilões, preferiu permanecer na Infraero.
Sem ter onde colocá-los, a estatal os acomodou em outros aeroportos de sua rede própria, como Congonhas e Campo de Marte. Isso criou, em alguns casos, funções como vigia de refeitório.
A solução de dispensar o excedente não funcionou porque o governo assinou um acordo na época, no qual se comprometeu a demitir, sem justa causa, no máximo sete trabalhadores por ano até 2018. O acerto foi prorrogado até 2020.
Em seguida, a redução no quadro ocorreu por meio de PDVs (programas de demissão voluntária) e aposentadorias. Uma parte foi transferida para órgãos como Polícia Federal e Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Estimativas subestimadas no custo gerado pelos desligamentos foram um agravante.
A modelagem original das primeiras concessões considerou um custo médio de desligamento por colaborador de R$ 75 mil. No entanto, o valor registrado de fato, desde 2012, é de R$ 266 mil, conforme estudos da consultoria.
A Infraero diz que cumpre o estabelecido em seu plano de sustentabilidade econômico-financeiro e que não realiza concurso público desde 2011.
"Além dos mais de 5.000 desligamentos de 2012 a 2018, outros 1.500 empregados foram cedidos", diz em nota.
Em uma visita a Congonhas hoje é possível notar que o inchaço de cinco anos atrás foi, em parte, contornado.
Entre outros cortes, os dois balcões de informações, que na época abrigavam seis funcionários por turno mais dois para cobrir as ausências, se tornaram um guichê único com dois trabalhadores apenas.
Em São José dos Campos (SP), o número de empregados caiu de 189 em 2014 (quando inchou após a concessão e Cumbica e Viracopos) para 84 após processo de readequação. Setores do governo, porém, avaliam que o número ainda é alto para o local.
Outra solução apontada pela Infraero foi a inclusão dos custos com PDV nos editais das concessões do ano passado e das que estão por vir.
Pelas avaliações da Roland Berger, o programa de transformação pelo qual a estatal tem de passar precisa ser capaz de triplicar o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortizações) da empresa, para R$ 1,5 bilhão em 2021.
Também seria preciso baixar o número de funcionários para cerca de 6.200.
"Se em 2019 já tiver essas medidas a caminho, os investidores olharão diferente para a Infraero. Ainda não é suficiente, mas a Infraero já está trabalhando na [elevação da] receita não tarifária, diminuindo custos de pessoal", diz António Bernardo, presidente da Roland Berger no Brasil.
"Falta talvez um pouco de conforto do governo para dizer: avance no programa de transformação porque faz sentido", afirma.
Para a consultoria, após a quinta etapa, a Infraero não deveria se desfazer de mais aeroportos, ao propor uma uma sexta rodada, porque perderia atratividade para potenciais interessados em abertura de capital ou venda.
Os R$ 16 bilhões estimados seriam compostos por R$ 4,4 bilhões da venda em si, mais R$ 4,3 bilhões em dividendos e R$ 7,4 bilhões em impostos.
Joana Cunha, Folha de São Paulo