terça-feira, 17 de julho de 2018

"Depois da Copa", por Luiz Cláudio Latgé

Na seleção do mundial não há brasileiros. A explosão de talento de Mbappé inaugura um novo ciclo do futebol
Uma Copa para ficar na memória, como poucas. O Mundial da Rússia não teve nenhum supertime — um Brasil de 70, o carrossel da Holanda de 74, o tic-tac da Espanha de 2010. Nenhuma revolução no futebol. Mas vamos nos lembrar por um bom tempo da França campeã, da incrível Croácia e da geração de talentos da Bélgica. Uma nova página no reino do futebol.

A história de uma Copa não se resume a resultados. Ela se faz a cada jogo, com o que cada país leva a campo, no trato da bola e na celebração do esporte. A fria Rússia, pouco dada ao futebol, encheu os estádios e festejou sua seleção, a ponto de ser preciso aumentar os locais de concentração em Moscou. Um time improvável, como o brilho de Cheryshov, saído do banco de reservas, para fazer três gols, de raça e talento, como no chute contra a Croácia.

Coube ao Panamá, estreante na competição, mostrar o valor de jogar a Copa, a razão do esporte. Emocionante a comemoração do gol contra a Inglaterra, o primeiro da seleção, quando perdia de 6 a 0 para a Inglaterra. Também foi comovente a entrega da Coreia do Sul na vitória contra a Alemanha, que eliminou a campeã mundial.

Momentos de enorme talento. A cobrança de falta perfeita de Cristiano Ronaldo contra a Espanha. O domínio de bola de Messi, escorando um lançamento em velocidade, deixando a bola escorregar na sua perna para ficar na medida do chute com o pé direito. O chute de curva de Coutinho contra a Suíça. A bola de primeira de Pavard contra a Argentina. O gol de Pogba, na final, chutando de direita contra a zaga, para emendar no rebote de esquerda, no canto. A arrancada de Mbappé contra a Argentina, atravessando o campo todo até ser derrubado. O gol de Mbappé contra a Bélgica. O passe de Mbappé dominando com a direita e passando de costas com a esquerda, deixando um companheiro na cara do gol. Um capítulo inteiro para Mbappé.

Foi também a Copa da tecnologia, do árbitro de vídeo, o VAR, que decidiu a final, anotando um pênalti que o juiz não tinha visto. A tecnologia empoderou os juízes, com o respaldo do vídeo para salvar sua pele nos lances decisivos. Mas nem por isso deixaram de falhar, longe das câmeras, como na falta inexistente no primeiro gol da França contra a Croácia.

Mas futebol é um jogo de conjunto, e vai ser impossível esquecer a arrancada no time da Bélgica em direção ao gol. Até porque descobrimos da pior maneira, dando adeus ao Mundial. De Bruyne, Hazard, Lukaku infernizaram as defesas com um futebol objetivo e de toques rápidos, e nos deram alguns dos mais bonitos lances da Copa.

Uma Copa de superação. A Croácia foi a melhor expressão, jogando três prorrogações, praticamente um jogo a mais do que qualquer outro time. Modric foi o craque da Copa, aos 32 anos. Fez dois gols, driblou, defendeu, correu 72 km, nas contas da Fifa. Comandou seu time até a final, numa jornada comovente, como a celebração dos jogadores, levando seus filhos para dentro do campo, ao vencer a Inglaterra.

A Copa encerra um ciclo. Não à toa o jornal inglês “Guardian” preferiu montar a seleção dos jovens a escalar a dos melhores da Copa. O ciclo de Cristiano Ronaldo e Messi, que disputaram o título de melhor do mundo nos últimos dez anos, termina. Neymar, que postulava a posição, apareceu mais nas listas de memes que entre os destaques em campo.

Na seleção do mundial, não há brasileiros, nem alemães ou argentinos. Pickford; Trippier, Varane, Mina, Lucas Hernández; Pogba, De Bruyne, Modric; Mbappé, Griezmann, Hazard. Há uma nova geração em campo, liderada por Mbappé.


O Globo