domingo, 18 de março de 2018

Persio Arida diz que Alckmin, eleito, tocará nos primeiros meses pacote de privatizações, reformas do Estado, da Previdência e Tributária

David Friedlander e Renata Agostini, O Estado de S.Paulo

Coordenador do programa econômico que Geraldo Alckmin (PSDB) vai encampar como candidato à presidência da República, Persio Arida afirma que o tucano, uma vez eleito, vai tocar nos primeiros meses de governo um pacote com privatizações e as reformas do Estado, da Previdência e tributária. Explica que a pressa é necessária para tirar vantagem do capital político conquistado nas urnas.
Arida diz que não haverá aumento da carga tributária, mas é preciso tornar a cobrança de impostos mais simples e socialmente justa. “Não faz sentido, num país como o nosso, dar benefício fiscal aos mais ricos”, disse ao Estado, em sua primeira entrevista como integrante da equipe do tucano.
Persio Arida (janeiro de 1995 a junho de 1995)
O economista Persio Arida, um dos mentores do Planor Real 
e ex-presidente do Banco Central Foto: Nilton Fukuda/Estadão
Um dos formuladores do Real, Arida afirmou que não é preciso um plano específico para conter o déficit público, mas determinação do governo para aplicar as regras que já existem. Segundo ele, a principal preocupação deve ser garantir a retomada. “Sem crescimento não há solução”, disse Arida, ex-presidente do BNDES e do Banco Central e, até 2017, sócio do banco BTG.
O economista afirma que a campanha de Geraldo Alckmin buscará o caminho do “centro democrático” tanto no campo econômico quando no dos costumes. Segundo ele, o tucano manterá a disposição de defender temas impopulares, como a reforma da Previdência, e não cederá a apelos populistas na área da segurança. “A aposta é que há um eleitorado maduro no Brasil”, disse.
A conversa com Persio Arida abre a série de entrevistas que o Estado passa a publicar com economistas que terão influência no debate eleitoral sobre a agenda de prioridades no campo econômico e o modelo de desenvolvimento que o País deve perseguir. 
O sr. já foi banqueiro, ocupou cargos no governo, é reconhecido como economista. Por que entrar numa campanha agora?
A vida corporativa e a puramente acadêmica são capítulos encerrados. A preocupação pública está viva em mim. Quero contribuir. Gosto do Alckmin e nos aproximamos depois que saí do BTG, no ano passado. Decidi aceitar o desafio de coordenar o programa. Tenho enorme preocupação. Essas eleições serão críticas.
Por quê?
Uma escolha errada pode comprometer a recuperação que estamos vivendo. Sem crescimento, não há solução. Numa crise como essa, é natural que parte da população queira um salvador, alguém que venha do nada e resolva tudo. O Brasil está diante de dois riscos: ter uma esquerda retrógrada estatizante, com a noção de que esse ou aquele setor são estratégicos, o que é uma ideia claramente atrasada, ou ter uma direita populista e obscurantista. 
O que é a direita populista que o sr. diz ver como risco ao País?
Populista ao dizer que se resolve o problema da segurança dando armas a todos. Sabe o que acontecerá? O aumento de crimes passionais, de mortes por briga no trânsito. Imagine disputas de torcidas de futebol com pessoas armadas. A realidade não cansa de comprovar que, para todo problema complexo, há uma solução simples – e errada. São Paulo reduziu homicídios impondo o estatuto do desarmamento.
E por que o sr. classifica como uma direita obscurantista?
Nos costumes. Nosso caminho não é negar a natureza plural da sociedade brasileira. O Brasil tem de respeitar os direitos humanos. É assim que o País foi construído e tem de continuar sendo. O desafio é escapar dos extremos e ter um centro democrático.
Alckmin não chega a 10% nas pesquisas, já foi apelidado de picolé de chuchu. Ele possui as características para angariar apoio a esse projeto de centro?
Que atributos queremos num presidente? Tem de ser alguém sereno, com capacidade de negociação política. Quem assumir vai lidar com um Congresso tão fragmentado quanto o de hoje. Tem de ter experiência administrativa. Aprender no exercício da presidência é custoso demais para o País. Não tenho dúvida de que Alckmin será o melhor presidente para o Brasil. Sobre a história do picolé de chuchu, temos de lembrar que ele ganhou no primeiro turno na última eleição para governador. As pessoas votaram nele. E votarão agora.
O sr. já começou a elaborar o programa? Já tem equipe?
Ainda não há equipe. Nesta fase, meu papel é filtrar boas ideias e, para isso, estou conversando com várias pessoas, mas não vou citar nomes. Teremos um documento básico, com as melhores ideias e diretrizes. Depois entraremos em outra fase, com advogados e especialistas, para preparar normas, decretos, projetos de lei e de emenda constitucional. Esses documentos têm de estar prontos antes de Alckmin tomar posse. 
Tem de haver pressa?
Haverá uma janela de oportunidade extraordinária no Brasil, que é a legitimidade de uma eleição presidencial. Isso dura seis meses, um ano. Depois, há o inevitável desgaste político. É importante ter tudo pronto antes da posse para não perder tempo. É possível aprovar as reformas da Previdência e tributária. As privatizações têm de começar no primeiro dia. Tem de aproveitar essa janela. A sociedade está madura. 
Qual deve ser o plano para domar o déficit público? 
No fiscal, não faltam regras. Teto de gastos, a regra de ouro, a lei de responsabilidade fiscal. Fiz a conta e há mais de dez restrições fiscais diferentes. E cá estamos com 75% de dívida sobre o PIB – sem contar os precatórios. O problema fiscal no Brasil é de administração. Há teto para salários. O que fizeram? Começaram a dar gratificações. A cultura brasileira do jeitinho, que nos leva a reinterpretar termos quando a regra fica restritiva, mostra claramente que, se o governante não tiver determinação, não adianta.
Qual será a principal ideia do plano Alckmin para a economia?
São três pilares: produtividade, responsabilidade fiscal e igualdade de oportunidades. Em produtividade, incluo abertura comercial, simplificação, desburocratização e reforma tributária. Infelizmente, não estamos em condição de reduzir a carga tributária. Mas temos de aprender com o passado e não aumentar imposto. 
Mesmo com esse déficit?
Não pode aumentar. O Brasil tinha 20% de carga tributária sobre o PIB. Hoje tem 32% com déficit público maior. Quando se eleva a arrecadação, a dinâmica política te conduz, cedo ou tarde, para aumentar gasto. É preciso resistir à tentação de aumentar imposto. O que se pode fazer é tornar essa carga tributária compatível com ganho de produtividade e socialmente mais justa. 
Como fazer isso?
Suprimindo impostos de intermediação. IPI, ICMS, ISS, PIS/Cofins. Acaba com tudo isso, transforma num imposto sobre valor adicionado, reparte a receita. Você ganha em eficiência e transparência. Quando se puder ver que há no leite 20%, 25% de imposto, virá a revolta. E isso será positivo. O sistema político precisa de pressão. Nossa carga tributária é injusta porque ela recai sobre os pobres.
Os ricos têm de pagar mais?
Não faz sentido algum, num país socialmente injusto como o nosso, dar benefícios fiscais para os segmentos mais ricos da população. Benesses como um instrumento com isenção tributária, como LCI e LCA, por exemplo. Tornar a alíquota socialmente mais justa é muito bom. A reforma tributária tem também o lado da justiça social. 
As desonerações acabariam num eventual governo Alckmin?
Estamos num nível de desoneração fiscal sem precedentes. Precisa voltar à normalidade. As isenções tributárias eram da ordem de 1,5% do PIB. Agora estamos em 4,5% do PIB. É dinheiro que poderia ir para saúde, educação, segurança e está sendo dado para o mundo corporativo. Vale a pena? É extraordinário que tenha acontecido isso sem qualquer avaliação. Gestão pública, tal como a gestão privada, se faz com metas, indicadores e meritocracia. O papel do Estado é dar segurança jurídica, garantir condições para florescer crédito, assegurar competição. A inteligência para assegurar o crescimento não está no Estado intervencionista, que dá isenção, subsídio e decide qual indústria será beneficiada.
Os mais ricos devem contribuir para usar a rede pública?
O debate não é se os ricos devem ser cobrados. O problema dos ricos é pagar mais imposto. O que tem de se fazer é reformar o Estado. 
Reformar como?
É uma tarefa enorme e difícil, que envolve meritocracia do setor público, medir e ter objetivos em programas sociais e econômicos. O Brasil foi de um extremo, onde não havia estabilidade, o que gerava abusos e perseguições, para uma situação em que todo mundo tem estabilidade. Não pode. Estou convicto de que dá para sustentar essa trajetória e ter um crescimento elevado. Alguém tem de oferecer emprego e não será o Estado. 
Como o sr. vê a agenda da direita no campo econômico?
Não sei muito bem o que é a agenda da direita na economia. Sei a agenda do Paulo Guedes (economista que coordena o programa do deputado Jair Bolsonaro). Ele defende o sistema de capitalização na Previdência. Nada contra a ideia. Mas é inexequível. Hoje temos déficit. Se partir para a capitalização, os mais favorecidos param de contribuir para a Previdência e o buraco aumenta. Outro ponto: se você diz que vai privatizar tudo, vai brigar com todos os lados ao mesmo tempo e não vai privatizar nada. Você tem de elencar quais são as prioridades. 
Não dá para privatizar tudo ao mesmo tempo. Mas o que é possível fazer?
A direção é clara: o Estado tem de deixar de ser empresário. O que as pessoas querem hoje e o que Brasil precisa é de uma economia dinâmica. Para isso, não precisa de estatal.
Privatização, reformar a Previdência e a estrutura do Estado são temas impopulares. Alckmin manterá essas posições? Não vai amarelar na campanha?
Não vai. Previdência: São Paulo fez. Quem entra no serviço público tem teto de aposentadoria de R$ 5 mil. Ele que contribua para previdência complementar. Privatização: ele está terminando agora a montagem da holding da Sabesp para privatização. Alckmin não fará concessões populistas. Defenderá o estatuto do desarmamento. A aposta é que há um eleitorado maduro no Brasil. Tenho convicção de que as posições serão mantidas.