sábado, 17 de março de 2018

O guru marqueteiro que ‘fabrica Macris’ na política latino-americana


Vida nômade: Durán Barba vive entre Buenos Aires, Washington, Quito e a Cidade do México: consultoria divide espaço com as aulas - Janaína Figueiredo


Janaína Figueiredo, O Globo



BUENOS AIRES - Nos últimos anos, o pedido tornou-se insistente em cada lugar por onde passou o consultor político equatoriano Jaime Durán Barba: “Por favor, faça um Macri”. Na Cidade do México, em Assunção ou Bogotá, muitos políticos latino-americanos se aproximam de quem é considerado uma espécie de poder nas sombras na Casa Rosada, com a intenção de repetir em seus países a experiência argentina. 

O presidente do México, Enrique Peña Nieto, numa reunião recente, tentou convencê-lo a assumir o compromisso de transformar o candidato do governista PRI nas eleições presidenciais de julho, José Antonio Meade, em uma espécie de Macri mexicano. Mas o consultor equatoriano garante que não é fácil “fazer um Macri”. A velha política e suas manias, disse Durán Barba em entrevista ao GLOBO, são o principal obstáculo para que um candidato dê certo no mundo de hoje.

Aos 70 anos, Durán Barba vive entre Buenos Aires, Washington, Quito e a Cidade do México. Sua influência sobre o presidente argentino é enorme e provoca ciúmes e disputas internas. Alguns o idolatram, outros questionam seu papel de “guru do macrismo”. Alheio a disputas silenciosas, Durán Barba continua colaborando ativamente com Macri e já pensa na candidatura à reeleição no ano que vem.

— Macri é o presidente mais moderno do continente, não existe nada parecido — disse o consultor e autor de vários livros sobre política, na sala de seu apartamento no bairro portenho da Recoleta, sem esconder o orgulho que sente por sua criação. — Este projeto é como um filho para mim. Nossas teorias (as que vem elaborando há mais de 15 anos com seu sócio, o também equatoriano Santiago Nieto) terminaram virando a ideologia do macrismo.


Mauricio Macri cumprimenta argentinos nas ruas de Buenos Aires - EITAN ABRAMOVICH / AFP

Campanha de 2005 foi ensaio geral

A ausência de uma ideologia de esquerda, centro ou direita é, segundo ele, um dos segredos de seu sucesso argentino. Quando foi procurado por colaboradores de Macri em 2005, Durán Barba aceitou visitar a Argentina e conhecer pessoalmente quem era aquele empresário, filho de um dos homens mais ricos do país — o também empresário Franco Macri — que queria ser deputado. 

O que encontrou, contou, foi um grupo de pessoas com visão de futuro, “sem qualquer contaminação da velha política”. Qual era a principal pedra no sapato de Macri naquele começo? Seu pai e uma trajetória empresarial que gerava suspeitas de negócios pouco transparentes com o Estado.

Durán Barba encarou a campanha de 2005 como um ensaio, no qual pretendia, apenas, “gerar vacinas e armas para futuras disputas”. Mas Macri fez sua primeira proeza política e chegou à Câmara. Hoje, quando lhe perguntam “o que é, afinal, um Macri?”, o homem por trás das vitórias eleitorais do presidente esboça o eixo de sua teoria sobre a política atual:

— Um cara sem preconceitos, aberto, pragmático e que não quer ficar no poder para sempre. Que entende a função pública como um serviço à sociedade e que não se sente uma estátua. Macri se expressa como as pessoas se expressam hoje em todas as sociedades. As pessoas querem líderes humanos, com quem possam conversar.

Falar com as pessoas. Esse foi o primeiro conselho que Durán Barba deu a seu cliente favorito. E foi então, lá para 2005, quando Macri começou a tocar as campainhas de desconhecidos, no começo com o medo natural de qualquer pessoa que passou por um sequestro (em 1991).

A técnica do chamado “timbreo” (“timbre” é campainha em espanhol) continua sendo aplicada pelo macrismo. Todos os altos funcionários do governo nacional e do governo da província de Buenos Aires, incluídos o presidente e a governadora Maria Eugenia Vidal, participam.

— Quando eu era criança, meu pai era Deus, ele sabia tudo. Hoje, quando você quer saber alguma coisa, procura no Google e ainda discute com seu pai. Houve uma democratização brutal da sociedade, e isso levou a que os políticos tenham de falar essa mesma língua e tenham de estar disponíveis para seus eleitores. As pessoas não querem mais políticos inacessíveis — explicou Durán Barba, que em 2010 trabalhou na campanha de Marina Silva, no Brasil.

Aquela experiência, revelou, foi fundamental para seu trabalho na Argentina e para ampliar seu conhecimento sobre um assunto que já transformou em livro: as mulheres na política. A campanha brasileira e, sobretudo, a análise detalhada que fez da ex-presidente Dilma Rousseff o ajudaram a construir uma tese sobre candidaturas femininas. Durán Barba também está por trás da vertiginosa carreira da governadora de Buenos Aires, para muitos, a sucessora natural de Macri.

— Algumas mulheres, como Dilma, acabam adotando atitudes machistas para instalar-se na política. O segredo de uma candidata mulher é conservar seu lado feminino e, paralelamente, ser uma líder firme e corajosa. Isso é Maria Eugenia — explicou o consultor que ajudou Macri a derrotar nas urnas uma das mulheres mais importantes da política argentina das últimas décadas, a ex-presidente e senadora Cristina Kirchner (2007-2015). Ela não foi candidata nas presidenciais de 2015, mas a derrota de seu candidato, Daniel Scioli, representou o fim do kirchnerismo no poder.

Ao contrário de muitos macristas, que consideram a ex-chefe de Estado quase um cadáver político, Durán Barba faz um alerta:

— Cristina não pode ser subestimada. Se nosso governo não for bem, sobretudo em matéria econômica, ela poderia voltar.


Durán Barba e Macri: construção da personalidade política - Reprodução


‘Bolsonaro tem um teto’

O peronismo faz parte de sua história de vida. Na década de 1970, o consultor estudou na Argentina e militou na Juventude Peronista. Na época, jamais imaginou que seria figura de peso do primeiro governo não peronista e não radical desde a década de 1940. Fiel a seu estilo polêmico, Durán Barba já cantou a marcha peronista em programas de rádio e não titubeia na hora de responder a perguntas de todo tipo, nem mesmo quando se trata do Papa Francisco e sua fria relação com o governo argentino.

— Já disse e repito, o Papa não tem votos. Se Bergoglio me excomungar, eu o expulso do Partido Comunista (risos) — afirmou o consultor.

Durán Barba fala o que pensa e reconhece que muitas vezes o próprio Macri fica incomodado. Mas nada parece abalar a parceria. O consultor não pretende trabalhar na campanha brasileira, embora mantenha contatos e acompanhe com especial interesse o processo eleitoral. Para ele, “o futuro é incerto e dependerá, em grande medida, da capacidade que terá o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de transferir seus votos para outro candidato”.

— Bolsonaro tem um teto e só terá votos em algumas regiões do Rio onde a violência é mais forte. Que Temer seja candidato é absurdo! O melhor seria que surgisse um candidato que nada tivesse a ver com a velha política.


O deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) durante sessão na Câmara - Jorge William / Agência O Globo / Arquivo / 15/04/2016