segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

'Tenho dúvidas sobre o resultado da intervenção', diz Marco Aurélio Mello, ministro do STF, co-responsável pela crise no Brasil

Amanda Pupo, O Estado de S.Paulo

Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o carioca Marco Aurélio Mello tem “sérias dúvidas” sobre o resultado da intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro. “Será que o Exército realmente vai solucionar a problemática da corrupção na polícia repressiva, que é a militar?”, questionou, em entrevista ao Estadão/Broadcast.
O ministro credita a decisão federal não apenas à escalada da violência como também às ausências do prefeito Marcelo Crivella (PRB) e do governador Luiz Fernando Pezão (MDB). “O governador foi praticamente para um retiro”, criticou. Mas preferiu não avaliar o decreto presidencial. “Se é constitucional ou inconstitucional, não irei comentar. Talvez eu possa até julgar isso.”

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Mello preferiu não comentar decreto de Temer Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF


O sr. considerou necessária a intervenção federal no Rio?

A situação do Rio de Janeiro se tornou realmente crítica em termos de
Segurança Pública. Mas há outros problemas seriíssimos, como no Brasil
inteiro. Saúde, 
educação, administração, mercado de trabalho, que tem uma oferta excessiva 
de mão de obra e escassez de emprego. O que precisamos conceber é que a 
intervenção é sempre uma medida extrema, e na maioria das vezes não é
 parcial, 
como foi. Agora vamos ver o resultado. Eu creio que é hora de fechar as
fronteiras 
quanto à entrada de armas e tóxicos. Aí, sim, podemos ter a utilização das
 Forças Armadas e acionar, mais do que isso, a inteligência das forças
repressivas, porque
 como está não se pode ficar. O Rio chegou a um estágio de insegurança
que é desaconselhado no mundo inteiro. Isso é péssimo para o Brasil. Uma
cidade 
vocacionada ao turismo, que é belíssima, mas que infelizmente deixa o turista 
sujeito à delinquência de toda ordem. 
Alguma medida do governo federal deveria ter sido tomada mesmo, então?
Tinha. E nós tivemos o quadro agravado por dois fatores. Primeiro, o
prefeito, 
aquele que deveria estar no Rio de Janeiro durante a festa típica – o
carnaval –, 
viajou. E o governador foi praticamente para um retiro, uma cidade do
interior 
(Pezão passou o carnaval em Piraí, sua cidade natal).
Essas ausências pesaram na decisão do governo?
Sem dúvida. Nada surge sem uma causa. Houve três causas. Delinquência
 ao 
ponto que chegou, com arrastões, violência de toda ordem, com morte de
policiais
 – só este ano já são 16. A viagem do prefeito e esse abandono ao município.
 E 
também o afastamento, muito embora geográfico, no Brasil mesmo, do
 governador Pezão. E a fala dele, quando verbalizou que não via mais solução,
 que não tinha 
como implementar medidas. Mas há o outro lado da balança, que é o
desgaste que  pode haver para o Exército brasileiro. E a esperança vã que
se deu à  sociedade. 
Será que o Exército realmente vai solucionar a problemática da corrupção
na polícia repressiva, que é a militar? Será que vai solucionar o problema
de tráfico de drogas? E, nas favelas, a disputa entre traficantes? Não sei. Eu
tenho sérias dúvidas.
A decisão do governo no Rio pode fazer com que outros Estados peçam as mesmas 
providências do governo federal?
Pode, mas não é bom. Eu acho que o saneamento de início tem que ser
interno, considerados os poderes existentes no próprio Estado. Vejo com
muita 
preocupação essa intervenção, e receio considerando o Exército brasileiro. 
O sr. falou de desgaste do Exército. Em qual sentido?
Ele ir para rua, a população de bem acreditar que vai ter uma segurança
maior 
em curto espaço de tempo, e não ter. Isso desgastará a imagem do Exército. 
Logicamente o Exército não existe para nos proporcionar segurança pública
e interna. Existe para nos defender de uma agressão externa, por exemplo. 
Há muitos indícios de envolvimento de representantes do Estado com o crime...
Essa promiscuidade é terrível, inimaginável. Agora, como consertar? O
Exército concertará? Tenho sérias dúvidas. O que precisa é o saneamento
tanto quanto 
possível com as forças internas do Estado. A intervenção é sempre a exceção.
É a primeira desde a Constituição (de 1988). 
O sr. acredita em melhora após dez meses de intervenção?
Eu li num romance que quando uma luz se apaga, que é a esperança, é
muito mais escuro do que se ela jamais houvesse brilhado. A sociedade
não pode nutrir esperança de dias melhores imediatos. O trabalho é um
 pouco mais profundo. 
E passa pelo lado social, de viabilizar de alguma forma que jovens tenham 
oportunidade no mercado de trabalho.
O problema de segurança seria a ponta final dos outros problemas que o Estado 
enfrenta.
Nós vivenciamos tempos estranhos, não sabemos aonde vamos parar,
isso em todos os setores da vida nacional. Agora é um problema que está
muito enraizado  no País inteiro. Precisa haver muita compenetração dos
homens que aceitam o cargo público, e que se presume que queiram cargo
 público para servir, e não para se servirem do cargo público. 
O general Braga Netto irá coordenar as forças de segurança, ainda não está
 certo como será efetivamente a atuação nas ruas.
Ele conhece porque participou de alguns auxílios para as forças repressivas. 
Conhece a situação do Rio de Janeiro, muito embora mineiro. É um homem
 que
 tem uma trajetória elogiável em termos de dedicação das Forças Armadas.
Mas  isso não é suficiente. O problema passa pelo aspecto social. Ver como
se concerta  esse contexto de absoluto desequilíbrio entre serviços essenciais, 
necessidades da população, entre mão de obra ofertada e empregos. 
E sobre o decreto de intervenção, qual a sua opinião?
Quanto ao decreto em si, se é constitucional ou inconstitucional, não irei
comentar. Talvez eu possa até julgar isso.