segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

"Acordo político na Alemanha dá fôlego a moderados", editorial O Globo

Partido de Merkel e socialistas chegam a entendimento preliminar, que pode resultar na formação de Gabinete e reforçar políticas pró-União Europeia


As duas principais forças políticas da Alemanha, o Partido Democrata Cristão (CDU, na sigla em alemão), de centro-direita, e que tem a chanceler Angela Merkel como líder, e o Partido Social Democrata (SPD), de centro-esquerda, chegaram a um acordo preliminar para a formação de um governo. O avanço se deu após uma maratona de negociações e graças a concessões feitas pela chefe de Estado, em nome da estabilidade do país e do bloco europeu. Se for implementada, a coalizão evitará a convocação de novas eleições, afastando o risco de novo avanço da extrema-direita.

Os obstáculos, porém, ainda são consideráveis. A começar por líderes históricos e setores da base do SPD, que criticaram os termos do acordo, sobretudo em relação a tópicos cruciais, como sistema de saúde, habitação, imigração e integração europeia. Tais divergências ocuparão o centro dos debates da convenção do partido, no próximo domingo. Se o acordo fracassar, novas eleições serão convocadas, gerando oportunidade para extremistas anti-integração.

Desde as eleições de setembro passado, Merkel luta para formar um Gabinete. A aliança governista CDU/CSU/SPD encolheu após a saída dos socialistas. Primeiro, a chanceler buscou formar um improvável pacto com o FDP dos Democratas Livres (liberais pró-mercado), e os verdes (esquerda). Com o fracasso das negociações, a chanceler insistiu mais uma vez com o SPD, cujo líder, Martin Schulz, relutou mas aceitou conversar, após o partido sofrer sua pior derrota eleitoral desde 1949, justamente por permanecer à sombra do CDU.

Já o Alternativa para a Alemanha (AfD, de extrema-direita), que não conseguira votos suficientes para entrar no Bundestag (a Câmara federal alemã) nas eleições de 2013, tornou-se a terceira maior força política, com mais de 12% dos votos. O avanço da extrema-direita e a força da Alemanha no bloco europeu foram os principais argumentos de Merkel para defender a união com os socialistas do SPD.

A aliança entre os dois partidos de centro, que já garantiram oito dos 12 anos de gestão de Merkel, faz parte do establishment político alemão, cujo ciclo, segundo críticos, teria se esgotado. Mas, se nos últimos acordos de coalizão, a discussão enfatizou temas internos, como o salário mínimo; agora, uma renovação da união das duas maiores forças eleitorais do país, colocaria, segundo analistas, a União Europeia (UE) como uma das prioridades, resultando num impulso inédito à integração e numa governança mais democrática do bloco.

O acordo, portanto, é crucial, sobretudo numa conjuntura de desafios, como o divórcio britânico — o Brexit — associado à opção de Donald Trump por isolar Washington como aliado nas relações geopolíticas e multilaterais. Merkel e Schulz acertam ao tentar buscar unir forças de importantes agremiações moderadas contra o extremismo anti-integração europeia. Sairá reforçada a essencial aliança de Berlim com Paris.