domingo, 10 de dezembro de 2017

"O vigor do atraso", editorial do Estadão

Enquanto o presidente Michel Temer enfrenta grandes dificuldades para articular apoio político às urgentes medidas de austeridade e de reorganização das contas públicas, as forças do atraso, responsáveis pela ruína econômica que hoje o governo tenta superar, conjugam-se com descarada desenvoltura para disputar o poder em 2018.
Partidos que hoje se encontram na chamada “base aliada” de Temer não se constrangem em especular publicamente sobre a possibilidade de virem a apoiar a candidatura de Lula da Silva à Presidência – malgrado o fato de o chefão petista ser hoje o maior opositor do governo federal.
Somente o mais rasteiro cálculo político é capaz de explicar tamanha incoerência, pois trata-se de partidos que sempre estiveram no poder e se especializaram em farejar oportunidades de auferir lucros seja quem for o presidente da República.
É o caso, por exemplo, do PR, que fez dos Transportes seu feudo nos governos petistas e foi mantido por Temer nessa pasta. “O PR não descarta apoiar o Lula”, informou o líder do partido na Câmara, José Rocha (BA). Outro partido que sinaliza a possibilidade de embarcar na candidatura petista é o PP, que ocupa três Ministérios. O líder da legenda na Câmara, Arthur Lira (AL), diz que hoje o PP tem “pouca chance” de apoiar Lula, mas o presidente pepista, senador Ciro Nogueira (PI), já declarou voto no ex-presidente, dizendo que ele “foi o melhor presidente para este País, principalmente para o Piauí e o Nordeste”.
Na hipótese de que Lula consiga driblar a Justiça e manter sua candidatura presidencial, é improvável que o petista recuse o apoio desses partidos, a despeito do fato de que participaram ativamente do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Lula pode se apresentar como um monumento ético e vociferar contra os “golpistas”, mas, quando se trata de se viabilizar como candidato, não há limites para sua caradura.
Nem é o caso de discutir se realmente Lula terá mesmo o apoio dessa turma, pois a eleição ainda está distante, mas o simples fato de que partidos fisiológicos como o PR e o PP admitem a hipótese de ajudar o petista a voltar ao poder é suficiente para que se perceba o quão difícil é a tarefa de quem se propõe a modernizar o País.
Uma aliança em torno de Lula é necessariamente deletéria. A cada pronunciamento do demiurgo petista, fica clara sua disposição de minar os esforços para sanear a economia e impedir as reformas. Lula está em plena campanha contra a reforma da Previdência, embora certamente saiba que se trata de medida imprescindível para evitar o colapso das contas nacionais. Em seu projeto de reconquista do poder, até mesmo a expressão “vale-tudo” parece ter ganhado nova dimensão.
“A gente está vendo criança voltar a pedir esmola, aumentar o número de moradores de rua. Não fomos nós que causamos o problema, mas, se não for a gente para resolver, ninguém vai”, escreveu Lula em seu perfil no Twitter, recusando a paternidade da imensa crise inteiramente produzida por seu governo e pelo de sua desastrada criatura, Dilma Rousseff. Aposta, assim, na desinformação do eleitor para, em meio à confusão, apresentar-se como a solução para os problemas que ele mesmo ajudou a criar.
Ao investir de corpo e alma na mistificação, na demagogia e na impostura, Lula vai se consolidando como o candidato ideal dessa aliança dedicada a sabotar o País em favor de interesses particulares, corporativos e invariavelmente corruptos. É uma gente que não teria a menor chance de ganhar o poder se o Brasil já tivesse superado sua herança patrimonialista e se já estivesse curado de sua estatolatria, que faz com que se acredite que tudo no País pode e deve ser providenciado pelo Estado, seja na forma de “direitos”, seja embalado como prebenda. Lula e seus parceiros oportunistas vicejam nesse terreno adubado pelo populismo, que encanta os muitos que ainda não se convenceram de que não existe saída fácil para adversidades tão complexas como as que o Brasil enfrenta hoje.