Carlos Eduardo Mansur - O Globo
MANCHESTER - Dois arquirrivais, comandados por dois dos técnicos mais midiáticos do mundo, ícones de concepções opostas de futebol, lutando pelo topo do mais rico e disputado campeonato nacional da Europa. Hoje, Manchester sedia o jogo mais aguardado da temporada no continente. Às 14h30m (de Brasília), em Old Trafford, o United de José Mourinho tenta reduzir os oito pontos que o separam do líder City de Guardiola. A ESPN Brasil transmite. Mais do que um jogo decisivo, um embate filosófico sobre futebol marca os encontros entre os dois. O de hoje corre risco de não acontecer diante da previsão de neve intensa para Manchester.
No coração da cidade, apenas 500 metros separam o flat de Guardiola do hotel com diárias de até R$ 4mil em que Mourinho decidiu viver. A proximidade termina aí: no campo, nas personalidades e na forma de viver, dois homens de perfis distintos duelam.
Mourinho é a imagem do pragmatismo, do “resultadismo”. E não lhe faltam taças. Guardiola nega que minimize o resultado. Mas valoriza o processo, o estilo em que acredita, com ofensividade, troca de passes. Ontem, chegou a dizer que se aposentaria caso, um dia, provassem que é sem a bola que se obtém mais resultados.
— Não poderia convencer os jogadores de algo que não sinto — disse. — Quero, após o jogo, ter a certeza de que fomos o que somos. Que o time vá a campo e relaxe, imponha nosso jogo. É o que desfruto no futebol: ir para jogos assim, ver como podemos vencer.
Caracterizada pela falta de controle, pelo jogo frenético em golpes e contragolpes, a Premier League parecia hostil ao estilo Guardiola, com controle, posse e passes. Mas seu City venceu 14 jogos e empatou um, domina todos os registros ofensivos. Em 15 rodadas, fez 46 gols, algo que nove times não atingiram em 38 rodadas no último ano. Já o United tem a melhor defesa e o maior número de jogos sem ser vazado.
Levantamento do site "statsbomb" mostra que nenhum time alcança tantas vezes a área rival quanto o City. É quem mais acumula posses longas, com mais de 20 passes: cinco por jogo. A pressão para recuperar logo a bola o torna o time que menos permite ao rival chegar aos últimos 30 metros defensivos do City. Mesmo contra rivais fechados, chega aos 30 metros finais de campo em 55% de suas posses, algo só igualado recentemente por Barcelona e Bayern de Munique... com Guardiola.
O time vê brilhantes temporadas de nomes como Kevin de Bruyne, transformado num meio-campista completo. Fernandinho ganhou polivalência, Sterling cresceu e Gabriel Jesus, embora venha iniciando na reserva de Aguero, evolui.
Mas José Mourinho faz chegar ao clássico um time em franca evolução: com jogo vertical, de roubada de bola e busca do gol com enorme eficiência. Pogba será ausência sentida, mas Lukaku faz bela temporada. Sem falar no monumental momento do goleiro espanhol De Gea. Mourinho evita assumir que o jogo terá o esperado roteiro: bola do City, forte marcação do United em busca do espaço para o ataque fulminante:
— Não arriscaria. Futebol é imprevisível.
Estilos distintos
‘Vivo isolado da sociedade. Minha vida é campo de treino e hotel’
- JOSÉ MOURINHOTécnico do Manchester United
Contra o Arsenal, o United teve 25% de posse de bola, chutou quatro vezes no alvo, viu o rival finalizar 33 vezes, mas ganhou por 3 a 1. O estilo, em tese, contraria a tradição de Old Trafford, que costuma exigir jogo ofensivo. Na última temporada, Mourinho venceu Liga Europa e Copa da Liga. Não são as taças mais cobiçadas da Europa, mas ganhou crédito. Para gerações mais velhas, a marca dos 27 anos de Alex Ferguson no cargo segue viva.
Pep e Mourinho impactaram Manchester. Hoje, a cidade recebe o triplo de jornalistas estrangeiros. Sete espanhóis seguem Guardiola. Os treinadores optaram por viver no coração de Manchester, mas o fazem de forma distinta.
— Vivo isolado da sociedade. Minha vida é campo de treino e hotel, sem muita comunicação, mas sei que o derby é especial — disse Mourinho.
O português passa boa parte do dia no CT do United e mora sozinho no hotel Lowry. Já Guardiola tem a companhia da mulher e circula pela cidade. Frequenta, por exemplo, um restaurante catalão. E um de carne brasileira, onde se encontrou pela primeira vez com Gabriel Jesus.
— Na época, eu atendi a mesa sem saber quem eram — conta o garçom Rodrigo Moraes.
O único ponto que parece unir Pep e Mourinho é o San Carlo, restaurante italiano. Nas paredes, há registros de visitas dos dois treinadores.
— A imprensa se preparou para trocas de farpas, como num Real Madrid x Barcelona. Mas a relação é cordial — diz Pol Ballús, correspondente do jornal “Sport”, de Barcelona.
Guardiola falou do tema na última sexta-feira:
— Não nos cruzamos muito em Manchester.
— Pep não frequenta o Lowry — devolveu Mourinho.
Hoje, o encontro está marcado.
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