sábado, 16 de dezembro de 2017

"A ficha começa a cair", por Fernando Dantas

O Estado de São Paulo


Água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Foi lamentável a trajetória da reforma da Previdência em 2017, mas há um rescaldo positivo: parece que, de forma vagarosa, mas contínua, a sociedade brasileira vai tomando consciência de que a Previdência tem de mudar.
A reforma inicialmente proposta pelo governo Temer chegou a ficar muito quente no fim do primeiro semestre, mas tomou um jato de água fria com o escândalo das fitas de Joesley Batista em maio. A proposta termina o ano, já numa versão bastante diluída, sendo mais uma vez adiada para um duvidoso voto em fevereiro de 2018.
Ao longo do acidentado caminho, porém, o tema parece ter adquirido uma centralidade no debate nacional que talvez torne mais difícil que seja sumariamente interditado na campanha de 2018, como veio acontecendo nas últimas eleições, sob a ditadura dos marqueteiros.
Que ninguém se engane, reformas da Previdência são um abacaxi político no mundo inteiro, por geralmente restringirem benefícios específicos no curto prazo em troca de melhoras difusas de médio e longo prazo. Isso não quer dizer, entretanto, que sejam impossíveis, tanto que são realizadas regularmente em diversos países, incluindo o Brasil em 1998 e 2003.
Por aqui, entretanto, o tema ganhou contornos quase demoníacos nos últimos anos, como se sua simples menção fosse um raio exterminador de votos para os políticos do Congresso.
Governos passados têm seu papel na criação desse tabu. Basta lembrar que, em setembro de 2014, quando já era evidente que o País caminhava para uma seriíssima crise fiscal, o então ministro da Fazenda Guido Mantega declarou que não seria necessário fazer uma reforma da Previdência no segundo mandato de Dilma Rousseff. Se quem toma conta do cofre diz que está tudo bem, não é de se esperar que as demais pessoas defendam o sacrifício.
A partir de 2015, no entanto, o jogo mudou. Os dois ministros da Fazenda que Dilma teve no seu curto mandato, Joaquim Levy e Nelson Barbosa, defenderam sem ambiguidades a reforma da Previdência. Uma reforma parecida com a de Temer caminhava para ser proposta com Barbosa, mas a guerra do impeachment implodiu esse e outros planos.
Já a equipe econômica de Temer, liderada por Henrique Meirelles, chamou a bola para si, com o fim do Ministério da Previdência e a criação de uma secretaria específica na Fazenda.
O debate público sobre a Previdência foi efetivamente deflagrado. É evidente que não se pode esperar que as massas das classes C, D e E acompanhem as minúcias dos argumentos contábeis e fiscais do assunto, mas nas camadas mais educadas das redes sociais há em curso uma vívida discussão sobre o tema.
A tese estapafúrdia de que “não há déficit na Previdência”, se bem que ainda circulando entre bolsões corporativos, foi desmontada por especialistas (incluindo um voto do TCU) e hoje é objeto de memes irônicos na internet, comparada à crença em Papai Noel e duendes. As vantagens previdenciárias de políticos, servidores públicos e militares em relação ao setor privado entraram de forma bem mais forte no radar da sociedade.
Pesquisas do site Poder360 mostram que o apoio à reforma da Previdência subiu de 24% para 37% entre abril e dezembro deste ano, e a rejeição caiu de 66% para 52%. A maioria da população ainda é contra, como seria de se esperar, mas parece haver uma clara tendência de conscientização sobre o tema.
Qualquer pessoa sensata, honesta intelectualmente e que tenha acesso às informações relevantes e capacidade de entendê-las e analisá-las sabe que a reforma da Previdência não é apenas necessária, mas urgente e crucial. A má notícia é que mais um ano está acabando e nada foi feito, por culpa do Congresso Nacional. A boa notícia é que as informações relevantes parecem finalmente estar circulando de forma mais ampla na sociedade.
* COLUNISTA DO BROADCAST E CONSULTOR DO IBRE/FGV