domingo, 6 de agosto de 2017

"Mal da América Latina é a retórica", por Carlos Heitor Cony

AFP PHOTO-2012/Luis Acosta
ORG XMIT: LAC078 -- AFP PICTURES OF THE YEAR 2012 -- Venezuelan President Hugo Chavez gestures before voting in Caracas on October 07, 2012. Venezuelans voted Sunday with President Hugo Chavez's 14-year socialist revolution on the line as the leftist leader faced youthful rival Henrique Capriles in his toughest electoral challenge yet. AFP PHOTO/Luis Acosta
O ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez (1954-2013), em foto de 2012


Folha de São Paulo

Dois problemas atrapalham os cronistas: muito assunto e nenhum assunto. 

Este dá mais liberdade, mas nem sempre agrada o leitor. Muito assunto provoca um tipo de concorrência, porque todos falam mais ou menos a mesma coisa. Cabe ao leitor escolher o texto que mais lhe agrada.

A política está fervendo. Cada um escolhe o seu vilão preferencial e quase todos preferem e brigam por seus varões de Plutarco. As escolhas são livres e mais ou menos previsíveis. Na Venezuela, o ditador Chávez juntava uma multidão para ouvir seus ataques ao imperialismo americano.

Mas não ficava nisso. No início de seus discursos, fazia um "pelo sinal da santa cruz, livrai-nos Deus dos nossos inimigos, assim na terra como no céu, e dai-nos o pão de cada dia". O povo benzia-se e votava nele apesar da truculência de seu governo. Durante a ditadura dos militares brasileiros, tive de me autoexilar em Cuba, onde eu ouvi centenas de discursos de Fidel Castro.

Na ocasião, escrevi uma crônica no "Correio da Manhã" dizendo que o mal da América Latina não era o subdesenvolvimento nem o imperialismo norte-americano, mas a retórica.

Felizmente, a crise brasileira que estamos atravessando não é ideológica nem pode ser definida como uma crise moral. Ninguém está brigando por causa da Síria, de Israel ou da Palestina. A crise de hoje é para saber quem roubou mais, quem mandou mais dinheiro para o exterior. Bem verdade que a mídia tem a sua retórica, que se torna redundante, com os mesmos nomes e mais ou menos com o mesmo dinheiro que nos foi roubado.

Em 1964, o grande assunto era o Vietnã e as chacretes do Chacrinha. 

Correndo por fora, os gols de Pelé, o repertório de Roberto Carlos e o cinema novo. Hoje, com Temer, Lula e Sergio Moro, consideramos aquele período como o mais feliz de nossa história.