terça-feira, 22 de agosto de 2017

Arquitetura utópica leva forasteiros ao deserto do Arizona, nos EUA

FERNANDA EZABELLA - Folha de São Paulo


Se você construir, eles virão. A frase popularizada pelo filme "Campo dos Sonhos" (1989), sobre um fazendeiro vivido por Kevin Costner que decide montar um campo de beisebol no meio de sua plantação de milho, nos cafundós do Iowa, resume também o espírito de arquitetos forasteiros encantados pelo deserto inóspito do Arizona.

Frank Lloyd Wright (1867-1959) e Paolo Soleri (1919-2013) construíram verdadeiros playgrounds de experimentações no Estado americano, e entusiastas do mundo inteiro vieram.

Primeiro chegou Wright, um dos arquitetos mais influentes do século 20 (em junho, completaram-se 150 anos do seu nascimento). Em 1937, apaixonado pela vegetação seca rasteira e pelos dramáticos cactos verdes, altos e imponentes, ele comprou um terreno no topo de uma montanha, a 40 km de Phoenix, pagando a bagatela de US$ 3,50 (R$ 11,20) por acre.

Em pouco tempo nascia Taliesin West, um complexo de 620 acres que foi sua casa de inverno, estúdio de trabalho e escola de arquitetura até sua morte, aos 91 anos. 

Lá, ele desenhou obras importantes, como o museu Guggenheim de Nova York, e suas cinzas foram espalhadas. A escola segue em funcionamento.

Taliesin West é também sede da fundação que leva o nome do arquiteto e que é aberta à visitação (agendamento prévio é recomendado).

Wright queria que sua casa fosse uma continuação da natureza. Usou pedras da região e uma mistura de cimento com areia local para criar boa parte das paredes, com estruturas de madeira que mais tarde seriam substituídas por aço e fibra de vidro.


O arquiteto também desenhou toda a decoração e móveis, com ajuda dos aprendizes que moravam no complexo. Atualmente, réplicas tomam conta da sala de estar, onde turistas podem se sentar e imaginar as grandes festas que aconteciam ali.

Petróglifos da população indígena foram mantidos nas construções, que têm também uma influência asiática -há esculturas de dragão e o rosto de um grande Buda num salão subterrâneo.


ETERNA CONSTRUÇÃO

Um dos aprendizes de Taliesin West foi o arquiteto e filósofo italiano Soleri, que passou um ano e meio com Wright em 1946. Mais de duas décadas depois, ele começaria sua própria utopia no deserto, com sua cidade experimental, Arcosanti.

Até hoje em obra, o complexo de prédios fica a 110 km de Phoenix e 266 km do parque nacional Grand Canyon. Pensado para receber 5.000 moradores, hoje tem pouco mais de 60, numa comunidade que tenta manter os ideais de Soleri de simbiose entre arquitetura e ecologia, embora a tarefa pareça impossível entre as gigantes estruturas futurísticas de cimento e o calor de mais de 40º C do verão.

O local vive dos turistas e da fábrica a céu aberto de sinos de bronze e cerâmica. 

Os tours explicam como são feitos os 10 mil sinos por ano e é possível comprá-los na recepção, onde ficam expostos numa instalação artística. No verão, o complexo abriga festivais de música e de teatro.


'ANJO GUARDIÃO' DA ROTA 66

De Chicago até Santa Mônica, a Rota 66 passa por oito Estados e também pelo imaginário de turistas do mundo todo. Mas se não fosse o "anjo guardião da rota", Angel Delgadillo, a famosa estrada de duas faixas teria virado poeira. Graças aos seus esforços, hoje é possível desviar de grandes rodovias e seguir os sinais para a "Histórica Rota 66".

Delgadillo (1927-2004), fundador da associação que ajuda a preservar e promover a estrada, sentiu na pele o declínio de sua cidade natal, quando a Rota 66 foi desativada pelo governo em prol de rodovias mais largas nos anos 1980. Os visitantes sumiram da noite para o dia, e seus negócios quase faliram.

Sua família opera o colorido restaurante Delgadillo's Snow Cap, em Seligman, a primeira parada para quem decide ir de carro de Flagstaff, no Arizona, uma das portas de entrada para o Grand Canyon, até Santa Mônica, na vizinha Califórnia.




A Rota 66 tem várias caras e circula boa parte paralela a uma grande rodovia. Às vezes, são quilômetros sem nada para ver, apenas nomes curiosos de cidades fantasmas, como Truxton, Valentine e Peach Springs.

Há surpresas, como na chegada para Oatman, onde a estrada ganha trechos sinuosos com vistas cinematográficas. Burros circulam livremente pela vila de 128 habitantes e, nos finais de semana, há uma performance de bang bang no meio da rua (a própria Rota 66), onde lojinhas vendem todo tipo de quinquilharia.

Outra parada interessante é Kingman, onde um museu conta a história da estrada, desde a época que servia de caminho para populações indígenas até a instalação da Rota 66, em 1926, recebendo aventureiros sob o risco de serem atacados por índios.


Em frente ao museu, o restaurante Mr D'z recebe visitantes num clima anos 60, com uma jukebox, hambúrguer e milk-shake.

Para quem quiser algo mais raiz, vale uma parada em Newberry Springs, na Califórnia, onde fica o restaurante cenário do filme "Bagdad Café" (1987). O menu é grudento, moscas circulam aqui e ali, mas há boas oportunidades para fotos.