terça-feira, 4 de julho de 2017

"Xadrez chinês: líder sul-coreano foi cooptado; Trump acuado", por Vilma Gryzinski

Trump e Moon na Casa Branca
Trump quer a lua e o sol também: Moon está mais para o lado do alinhamento planetário com a China (Carlos Barria/Reuters)
Veja

Teste de míssil da Coreia do Norte indica jogadas da China para continuar a usar o pequeno Kim como peão, em conluio com novo presidente da Coreia do Sul


É o míssil que muda tudo e todos os envolvidos sabem muito bem como. Tendo dito que “a era da paciência estratégica acabou”, Donald Trump de certa maneira riscou uma linha vermelha em relação à Coreia do Norte.
Kim Jong Un cruzou-a ao mandar testar o míssil intercontinental que vinha preparando com seu sucessivo foguetório. Fez isso sabendo que está com as costas quentes. As declarações e posições públicas da China em relação ao programa nuclear de seus protegidos foram desmentidas, na prática.
No complicado e cuidadoso xadrez da política externa chinesa, peças vitais foram alteradas. Primeiro, a eleição de um novo presidente, Moon Jae In, muitíssimo mais próximo às posições da China.
Tão próximo, aliás, que num país fértil em teorias conspiratórias como a Coreia do Sul, circulam suspeitas de que o impeachment, a prisão e o afastamento definitivo da presidente anterior, Park Geun Hye, arruinada pela corrupção desenfreada de uma amiga-guru, teve mais do que o acaso e promotores atentados para vir à tona.
Uma das iniciativas mais relevantes tomadas pelo novo presidente sul-coreano foi suspender a instalação do sistema avançado de mísseis interceptadores, o THAAD. O sistema móvel é composto por veículos pesados que levam radares e as baterias de mísseis com capacidade para explodir no ar foguetes inimigos.
PROTESTOS DOS ROBÔS
A parte dos radares estava deixando os chineses loucos. Devido à proximidade territorial com a Península Coreana, o arsenal nuclear chinês ficava mais exposto ainda à espionagem, um campo onde a superioridade bélica americana é massacrante.
O regime chinês começou a pressionar em março, de forma típica: mobilização de protestos de rua. Em março, os manifestantes, usados como os robôs da internet, começaram a fazer protestos em frente a supermercados da rede sul-coreana Lotte. As primeiras baterias de mísseis THAAD estavam sendo instaladas num campo de golpe cedido pelo grupo Lotte.
Moon foi eleito em maio e em junho suspendeu a instalação do sistema americano, uma decisão tomada em 2016, durante o governo de Barack Obama. Antes, declarou-se “chocado” com a instalação de quatro baterias adicionais, sem “comunicação” aos sul-coreanos.
Por que o líder de um país que vive sob a ameaça do vizinho descontrolado rejeita um sistema defensivo que criaria uma espécie de  escudo protetor?
A Coreia do Sul, evidentemente, tem várias tendências políticas, inclusive uma esquerda favorável a abordagens na linha paz e amor com os irmãos norte-coreanos. Esta política, chamada de “Brilho do Sol”, foi aplicada durante anos, sem nenhum resultado. A dinastia Kim continuou fazendo o que sempre pretendeu: criar um arsenal nuclear.
PÔQUER AMERICANO
Moon agiu sob pressão da China, mas também por convicção ideológica. Ele sabe perfeitamente bem que não pode se estranhar demais com os Estados Unidos. Mas, como todo mundo – China, Kim júnior, Japão – está testando as águas para ver como Trump reage.
Foi visitar Trump logo depois da eleição. Trump reiterou o desejo, de todo o universo, por sinal, de conseguir uma saída diplomática. Como esta se torna impossível sem a China, o preço pode ser tirar o THAAD. Ou, já que estão lá, recuá-los. É viável? Provavelmente não.
A tática de negociação de Trump ficou clara. Primeiro, pressionar gentilmente a China, tentando cooptá-la como parceira de uma política comum de controle de danos provocados por um programa nuclear desembestado, oferecendo em troca vantagens comerciais. A China fingiu que concordava.
Segundo, forçar a Coreia do Sul a se envolver mais, inclusive com o pagamento de um bilhão de dólares pelo uso do THAAD e a negociação de um novo acordo comercial, em lugar do tratado “horrível” negociado em 2011. Os sul-coreanos surtaram.
Terceiro, intimidar Kim júnior com o envio de porta-aviões e os próprios mísseis interceptadores, além das declarações sobre a possibilidade de um  “grande, grande” conflito. A Coreia do Norte intensificou os testes.
Todos os envolvidos, portanto, pagaram para ver. Agora, Trump tem que mostrar a mão. É o pôquer americano, cheio de lances ousados, contra o xadrez da infinita paciência e infindável persistência da China. Será que Trump é bom de Texas Hold’Em?