sexta-feira, 14 de julho de 2017

Ricardo Ferraço: “Não inventamos nenhuma ‘jabuticaba’ na reforma”

Luís Lima - Epoca

O relator da reforma trabalhista diz que essas mudanças estão em andamento mundo afora – e corrigem problemas que há décadas desorganizam o mercado no país



Ricardo Ferraço (Foto: Sérgio Lima/ Época)

Atacada por centrais sindicais e exaltada por empresários e terceirizados, a reforma trabalhista, sancionada na última quinta-feira, dia 13, é tema de um debate interminável. Quem a critica fala em precarização e quem a defende em modernização. A polarização dificulta uma análise racional de um projeto complexo, que altera mais de 100 pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Em quatro meses, a legislação atual, que remonta aos idos da ditadura getulista, passará a incluir modalidades de trabalho comuns hoje, que não eram concebidas décadas atrás, como o home office. Além disso, dará poder de negociação sobre a lei em temas específicos, que não atropelem a Constituição. O relator da proposta no Senado, Ricardo Ferraço (PSDB-ES), a resume em duas palavras: flexibilização e proteção. Diz que não é a bala de prata que resolverá todos os problemas do mercado de trabalho, mas contribuirá para diminuí-los. “Estamos virando uma página de uma visão patrimonialista de Estado para dar poder de resolução às pessoas”, afirma.

ÉPOCA – Quais são os principais objetivos da reforma trabalhista?   
Ricardo Ferraço –
 É uma estratégica reforma microeconômica para dinamizar e dar eficiência ao mercado de trabalho. Nossa legislação estava com o olho no retrovisor, estimulando deformações perversas. As duas palavras que marcam o projeto são flexibilização e proteção. As mudanças contribuirão para a geração de empregos, transparência e segurança jurídica. Mundo afora, essas experiências produziram bons resultados. Não estamos inventando nenhuma “jabuticaba”, mas corrigindo problemas que desorganizam o mercado de trabalho há decadas. Não resolveremos de uma vez só o desemprego, a informalidade, a rotatividade, a baixa produtividade. Mas, seguramente, [a reforma] dialoga com essa possibilidade.
ÉPOCA – A reforma ataca diretamente algum desses problemas?
Ferraço –
 O primeiro é a informalidade. A legislação dos anos 1940, rígida, como não há no mundo, era um estímulo à contratação informal. Temos 140 milhões de brasileiros em idade laboral, sendo 50 milhões protegidos pela CLT e 90 milhões desempregados ou empregados pelas regras mais primitivas nas relações de trabalho. As pessoas são convidadas à informalidade em função da megarrigidez das leis trabalhistas. É um absurdo a insegurança jurídica para quem contrata e é contratado. Também estamos acabando com a questão ideológica de discriminar entre atividade meio e fim na terceirização. Isso já havia sido aprovado, mas agora foi reforçado e regulamentado na CLT.
ÉPOCA – Centrais sindicais e a oposição criticam a essência da reforma – o negociado sobre o legislado. Considerando que o trabalhador é a parte mais fraca da relação empregador e empregado, por que isso seria um avanço? 
Ferraço –
 O negociado sobre o legislado não vale para tudo. A reforma define com precisão o que é lícito negociar. Estão resguardados os 34 incisos da Constituição, que são os direitos fundamentais de trabalhadores urbanos e rurais, como 13º e seguro-desemprego. A oposição faz luta de classes ee mente ao afirmar que estamos admitindo o acordado sobre a lei para tudo. Em casos específicos, em que for da vontade da negociação entre as partes, e que não violar a lei, vale o negociado sobre o legislado. Na prática, a reforma liberta os trabalhadores da tutela de corporações sindicais.
ÉPOCA – A Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirma que a reforma trabalhista viola diversas convenções internacionais de que o Brasil é signatário. A principal crítica é que não houve diálogo suficiente.
Ferraço –
 Isso é falso e absolutamente improcedente. Há décadas o país debate o necessário aperfeiçoamento de nossas leis trabalhistas. Não faltou debate. O que estamos fazendo é um pouco do que já foi feito há anos no mundo que prospera. Não inventamos nada novo. Estamos virando uma página de uma visão patrimonialista de Estado para dar poder de resolução às pessoas. É a troca da cultura de conflito para a de negociação. Ao fazer isso, nos aproximamos do mundo civilizado, de países da Europa Ocidental e da América do Norte. E nos distanciamos dos poucos países que insistem com a visão intervencionista, como a Venezuela. A Argentina pratica a jornada intermitente, que é um dos pontos de nossa reforma, há décadas.
As decisões da Justiça do Trabalho variam de cidade para cidade. Virou uma Disneylândia ideológica”
RICARDO FERRAÇO
ÉPOCA – Críticos dizem que, com a formalização do trabalho intermitente, empresas poderão demitir empregados hoje contratados pela CLT e substituí-los por contratações na nova modalidade. O senhor avaliou esse risco?
Ferraço –
 Estamos trabalhando na edição de uma Medida Provisória [MP] que defina marcos bem específicos para a jornada intermitente. Da forma que veio da Câmara, está muito aberta. Estamos debatendo como balizar limites. A jornada intermitente não pode ser regra, mas exceção. É uma condição especial de realidades que se impõem. A grande escolha que precisamos fazer é se vamos continuar fingindo que milhões de pessoas não são contratadas informalmente ou se vamos garantir segurança jurídica e direitos a elas.
ÉPOCA – Essa MP é a mesma que o presidente Michel Temernegociou com senadores para aprovar a reforma, e que incluirá outros pontos, como regras mais rígidas para as empresas tratarem grávidas e lactantes? Em um primeiro momento, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que não pautaria a matéria...
Ferraço –
 A MP trata de pontos específicos, como o trabalho da mulher grávida e lactantes em locais insalubres, a jornada de 12 por 36 horas por acordo coletivo, e não individual, danos materiais, entre outros. Esses pontos constarão, sim, nessa MP que está sendo trabalhada a muitas mãos. O trabalho que a Câmara fez foi extraordinário, mas nada é tão bom que não possa melhorar. A questão dos marcos para o trabalho intermitente será incluída nessa MP. Com diálogo,  conseguiremos o apoio do deputado Rodrigo Maia e essa MP vai tramitar logo no Congresso.
ÉPOCA – A MP também incluirá um fim gradual para o pagamento obrigatório da contribuição sindical?
Ferraço –
 Não há negociação para a manutenção da contribuição sindical obrigatória. Isso não constará em nossa pauta. Uma das mais importantes conquistas da reforma é o fim da obrigatoriedade. Nesse caso, o que foi aprovado no Congresso é definitivo. A contribuição obrigatória é do tempo em que o Estado tutelava a vontade das pessoas. Decidimos que elas precisam ser ouvidas, se autorizam ou não a contribuição. O Estado não tem o direito de decidir por elas.

ÉPOCA – Qual será o novo papel dos sindicatos?
Ferraço –
 A reforma pune os maus sindicatos e fortalece os bons. Os sindicatos, até então, trabalhavam com reserva de mercado. De forma compulsória, as pessoas contribuem. Qualquer coisa que não tenha competição, prestação de contas, causa distanciamento entre representantes e representados. Com a contribuição opcional, essas entidades terão de mostrar desempenho e ter poder de convencimento.
ÉPOCA – E o papel da Justiça do Trabalho também muda? 
Ferraço –
 Sim. Nossa Justiça do Trabalho é produto de um ambiente da cultura do conflito, e não da negociação e da conciliação. Na prática, tem ultrapassado seus limites. Invade prerrogativas que não são de seu ofício. Cada juiz do trabalho resolveu ser uma instituição. As decisões são as mais controversas em cada cidade, em cada região do país. Virou uma espécie de Disneylândia ideológica. A reforma uniformiza padrões e limites. Nenhum de nós está acima da lei, inclusive os juízes.
ÉPOCA – A votação da proposta foi bastante tumultuada. Senadoras ocuparam a mesa da presidência por sete horas. O que o senhor achou dessa manifestação?
Ferraço –
 Bizarra e primitiva. É natural que haja o duro debate, o conflito de ideias e divergências no limite do estresse. Mas essa ocupação remete ao estágio não civilizatório. É como estabelecer sua vontade pela força ou pela condição de gênero. Esses instrumentos remetem à Venezuela, onde há ocupações no Parlamento. O Brasil não é a Venezuela. Essas pessoas precisam tomar um banho no oceano da democracia.
ÉPOCA – A aprovação da reforma trabalhista significa uma vitória de Temer?
Ferraço –
 Esse tema não é de governo ou de oposição. Foi uma vitória do Brasil. Abandonamos o retrovisor e passamos a olhar para a frente. Não podemos reduzi-la a uma questão de luta política conjuntural.