sábado, 8 de julho de 2017

Início de Éverton Ribeiro no Fla contraria trajetória de jogadores que voltam do mundo árabe

Carlos Eduardo Mansur - O Globo



No Cruzeiro, a chegada de Thiago Neves foi cercada de grande expectativa, mas uma oscilação chegou a estremecer a relação com a torcida, hoje restabelecida. No ano passado, Rodrigo Pimpão, contratado pelo Botafogo, sofreu para se readaptar ao ritmo frenético do futebol brasileiro, sofreu uma lesão e só foi engrenar no fim da temporada. Em comum entre os dois, um obstáculo recorrente para reforços que chegam ao futebol brasileiro após passagem pelo Oriente Médio: adaptar-se a uma realidade competitiva tão diferente. A mesma dificuldade que, ao menos no início, o rubro-negro Éverton Ribeiro parece vencer com muito mais rapidez.
Quem viveu a experiência descreve como "um mundo diferente". E o impacto na sequência da carreira depende de fatores como a escolha do clube e, em especial, o investimento do próprio jogador para tentar se manter em alto nível competitivo.
- Montamos uma academia na casa do Thiago Neves, com todos os aparelhos para treinos funcionais, trabalhos de core (que envolve músculos abdominais e lombares, por exemplo). Se o jogador não montar uma estrutura, pode perder na parte física e na técnica. É fácil deixar de ter rotina de atleta - conta Leandro Lima, que gerencia a carreira do meia do Cruzeiro.
Thiago jogou na Arábia Saudita, onde os campeonatos têm mais público e cobrança. Depois, ao chegar aos Emirados Árabes, deparou com uma realidade esportivamente ainda menos desenvolvida. Éverton Ribeiro conta que seu clube, o Al Ahli, também dos Emirados, tinha uma curiosa vantagem.
- A gente podia usar a casa do xeque, que tinha um ginásio climatizado. Então, especialmente no verão, treinávamos à noite no campo e, uma vez por semana, no ginásio. Mas eu fazia um treino à parte, com um preparador de outro clube. Por sorte, a comissão técnica do meu time tinha um técnico romeno e um preparador italiano, que davam atenção à preparação - diz o jogador do Flamengo.
Quem viveu a experiência no mundo árabe conta que, se o jogador se entregar aos hábitos locais, o normal é perder uma rotina de atleta. Como a maioria dos treinos é à noite e em um só período, torna-se comum acordar tarde, fazer refeições e manter-se distante de atividades atléticas até o horário do treinamento.
Outra questão é a qualidade técnica das competições. Além do calor, os treinos noturnos têm ligação com o fato de muitos jogadores locais terem outros empregos. No Al Jazira, Thigo Neves tinha um policial como zagueiro em seu time. Também era da polícia o goleiro da equipe de Éverton Ribeiro. Com uma diferença.
- Como muitos dos árabes do meu time, o goleiro era da seleção. Então, ele recebia o salário de policial, mas não precisava exercer. Mas em muitos outros times havia jogadores com outras atividades. Dava para sentir a diferença entre jogar a Liga dos Campeões da Ásia e o campeonato local. Uma diferença física, de força. Os times até conseguiam ter 11 titulares bons, mas caíam demais com qualquer substituição - conta Éverton.
E, é claro, pesam na volta ao Brasil os extremos dos calendários daqui e de lá. Éverton Ribeiro fez, pelo Al Hilal, 100 partidas em dois anos e meio. No Brasil, é possível ultrapassar os 70 jogos numa temporada em que o time tenha bom desempenho. Em 2015, ele fez 46 jogos e, em 2016, o número caiu para 33. Só no que resta de 2017, o Flamengo pode entrar em campo mais 44 vezes. Já Thiago Neves fez 25 partidas em todo o ano de 2016. Só nos primeiros seis meses de Cruzeiro na atual temporada, já jogou 29 vezes.
- A gente se preocupou muito no Flamengo. Temos muitas avaliações. Em alguns jogos, o rendimento pode ser mais abaixo, espero que não. Senti bastante as primeiras partidas, o ritmo. Mas acho que vou me adaptando - disse Éverton.