domingo, 16 de julho de 2017

A sentença de Moro e o poema de Drummond




Frederico Vasconcelos - Folha de São Paulo


“Vale mais o peso da conclusão singela mas firme de um especialista notório do que as caudalosas razões de um leigo bem intencionado.”
Essa definição simples consta de parecer elaborado em 1991 pelo então procurador do Estado Carlos Ari Sundfeld, de São Paulo. A peça foi acolhida pelo então procurador-geral, Michel Temer, dando aval às importações superfaturadas de equipamentos de Israel no governo Orestes Quércia (PMDB).
Temer considerou “irretocáveis” os fundamentos da avaliação de Sundfeld.
Ambos desprezaram o parecer do advogado Miguel Reale Júnior, submetido pelo então secretário de Ciência e Tecnologia, ex-senador Severo Gomes, também do PMDB, que apontava os fortes indícios da negociata.
Diante das conclusões de Temer, Severo Gomes deixou o governo de Luiz Antônio Fleury Filho, sucessor de Quércia, afirmando:
“Estou saindo porque constatei uma fraude e como servidor público acho que minha missão se encerra num governo quando não posso impedir esse tipo de coisa.”
O especialista notório citado por Sundfeld –o então reitor da USP, Roberto Leal Lobo e Silva– havia atestado, numa declaração de apenas quatro linhas, que os preços dos equipamentos eram “compatíveis”.
A conclusão singela sustentou a operação superfaturada, cujo sobrepreço era calculado por Severo Gomes em US$ 100 milhões.
Lobo viria a admitir que desconhecia o que estava sendo importado e os preços cobrados. Disse que não assinaria novamente aquela declaração feita a pedido.
Anos depois, Miguel Reale Júnior seria um dos autores do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, abrindo o caminho para Michel Temer chegar à presidência da República. Depois, com as denúncias recentes, viria a sugerir a renúncia de Temer.
À época do parecer sobre as importações de Israel, o ex-governador peemedebista foi alvo permanente da oposição de Lula e do PT. Depois, se reconciliaram.
Em campanha, Quércia disse que Lula nunca havia dirigido um carro de pipoca. Lula respondeu que era verdade, mas que nunca roubou a pipoca. O petista foi presidente da República, pretensão alimentada por Quércia e frustrada em boa parte pelo desgaste político causado pelas importações superfaturadas.
Especialista em direito público e direito administrativo, Carlos Ari Sundfeld avaliou em artigo na Folha, nesta sexta-feira (14), a sentença do juiz Sergio Moro, que condenou Lula a 9 anos e 6 meses de prisão, permitindo ao ex-presidente recorrer em liberdade.
Sundfeld concluiu que a peça de Moro “saiu longa e bem elaborada, como esperado, e não deixou muito espaço para uma anulação por falhas apenas formais”.
Como no poema de Drummond, aparentemente a história se repete.