sexta-feira, 9 de junho de 2017

"Gastos públicos excessivos e de má qualidade", editorial de O Globo

A crise fiscal deveria inspirar os governos a colocarem em suas agendas o cuidado com as despesas, para saber se o dinheiro do contribuinte é bem aplicado


O Brasil tem uma economia robusta — entre as dez maiores do mundo —, mas que poderia ser ainda mais forte, em todos os sentidos, se não fosse obrigada a gerar um volume de receita tributária equivalente a 35% do PIB, para sustentar um Estado que gasta até mais do que isso — hoje, algo acima de 40% do PIB. O contribuinte, pessoa física e jurídica, paga muito e não recebe em troca serviços à altura ( educação, saúde, segurança).

A diferença entre receita e despesa é coberta por endividamento, daí a necessidade de reformas, como a da Previdência, para conter a expansão desta dívida, imprescindível para evitar um colapso fiscal, que virá acompanhado por hiperinflação e uma recessão certamente mais profunda que as de 2015 e 2016.

O momento é adequado para se recolocar antiga questão — a péssima qualidade dos altos gastos que o Estado brasileiro faz. Na base desta custosa deformação, há outra grave deficiência do poder público, a de não haver preocupação em avaliar os gastos.

O economista Marcos Lisboa, em entrevista à “Época Negócios”, cita exemplos. Qual o grau de satisfação dos moradores de imóveis do Minha Casa Minha Vida? Outro refere-se aos R$ 500 bilhões originados de dívida pública que o Tesouro transferiu para o BNDES, a fim de financiar projetos como os no âmbito da Petrobras e na petroquímica, entre outros setores. São notórios os casos de fracasso patrocinados com este dinheiro do contribuinte, também desviado para propinas.

Quanto o contribuinte perdeu ao certo, não se sabe. Lisboa diz que o custo dessa transferência para a sociedade — pois se trata de dinheiro que seria emprestado a taxas subsidiadas — é de R$ 323 bilhões, segundo cálculos do Ministério da Fazenda. Tanto quanto os US$ 120 bilhões, compara o economista, despendidos pelo Plano Marshall, na reconstrução da Europa, no pós-Guerra.

Sabe-se apenas que a margem de economia potencial do dinheiro público é enorme, caso houvesse atenção mínima com a qualidade das despesas públicas.

No início do governo Temer, diante dos déficits crescentes na Previdência, fizeram-se algumas auditorias no âmbito do INSS, com resultados nada surpreendentes, mas aterrorizantes dentro desta ótica da má qualidade das despesas públicas. Em benefícios concedidos pelo INSS, fora a aposentadoria propriamente dita, 20% deles foram obtidos por força de decisão judicial. E quando examinaram-se 5 mil casos de aposentadorias por invalidez e auxílios-doença, foram suspensos 80% dos benefícios, por irregularidades.

Para onde se olhe, há, no Estado brasileiro, desvios, dinheiro mal gasto. A crise fiscal precisa deixar registrada a necessidade imperiosa de os governos, e a própria sociedade, fiscalizarem o destino e o resultado do gasto público.