sexta-feira, 19 de maio de 2017

Dono da JBS relatou crimes a Temer, que nada fez

Marco Grillo e Eduardo Zobaran - O Globo


Os áudios gravados por Joesley Batista, da JBS, revelam que o presidente Michel Temer (PMDB) ouviu, sem fazer objeção e nem depois reportar aos órgãos competentes, um relato de um empresário — dono de um grupo que foi alvo de cinco operações da Polícia Federal em menos de um ano — com detalhes sobre mecanismos usados por ele para obstruir a Justiça, como a cooptação de juízes e procuradores. Temer também escutou, sem repreender o interlocutor, declaração sobre pagamentos ilegais ao ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB).

No documento enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), no qual solicitou a abertura de inquérito para investigar Temer, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou: 

“Joesley fala que segue pagando propina ‘todo mês, também’ a Eduardo Cunha, acerca da qual há a anuência do presidente da República”. Cunha está preso desde outubro do ano passado e, em março deste ano, foi condenado pelo juiz Sergio Moro a mais de 15 anos de prisão pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

A conversa de Joesley com Temer foi gravada em março, no Palácio do Jaburu. Quando o empresário questionou o presidente sobre a relação com o presidiário Cunha, Temer afirmou que o ex-deputado “resolveu fustigá-lo” ao enviar perguntas, no âmbito de um dos processos que correm na Justiça Federal do Paraná, que relacionavam o presidente com réus e condenados da Lava-Jato. Temer foi arrolado por Cunha como testemunha de defesa, mas o juiz Moro indeferiu 21 das 41 perguntas feitas pelo ex-deputado ao presidente.

Em outro momento da conversa, o empresário afirmou que “está de bem com o Eduardo”. Temer disse: “Tem que manter isso, viu?”. Após um trecho inaudível, Joesley emendou: 

“Todo mês, também”. E Temer respondeu: “É”.

INTERFERÊNCIA EM INVESTIGAÇÕES

Há também uma referência ao doleiro Lucio Funaro, outro preso pela Lava-Jato. Na conversa, a menção aos repasses de propina não fica clara, mas a Polícia Federal filmou, em uma “operação controlada”, a irmã de Funaro recebendo R$ 400 mil de um diretor da JBS. Aos procuradores, Joesley afirmou que a mesada a Cunha era entregue a Altair Alves Pinto, homem de confiança do ex-deputado — a PF cumpriu um mandado de busca e apreensão na casa do operador.

Em um dos trechos mais explosivos da conversa, Joesley relata a Temer que está interferindo nas investigações contra ele, ao que o presidente responde “Ótimo, ótimo”.

O diálogo ocorreu da seguinte maneira: após uma fala inaudível de Temer, o empresário disse que é investigado, mas não havia sido denunciado pelo Ministério Público. O presidente Michel Temer reforçou:

— Não tem a denúncia.

— Isso, isso. Investigado. Eu não tenho ainda a denúncia. Eu dei conta de um lado o juiz. Dá uma segurada. De outro lado, o juiz substituto, que é um cara (inaudível) — contou Joesley.

— Tá segurando os dois? — perguntou Temer.

O empresário confirmou:

— Tá segurando os dois.

Ao que o presidente responde:

— Ótimo, ótimo.

E Joesley segue:

— Eu consegui o delator dentro da força-tarefa, que está... também está me dando informação. E lá que eu estou... Dá conta de trocar o procurador que está atrás de mim. Se eu der conta, tem o lado bom e o lado ruim. O lado bom é que dou uma esfriada até o outro chegar e tal. O lado ruim é que se vem um cara com raiva, com não sei o quê...

Após um trecho inaudível do áudio, Joesley insistiu no assunto:

— O (procurador) que está me ajudando tá bom. Beleza. Agora o principal é o que está me investigando. Eu consegui (inaudível) um no grupo. Agora “tô” tentando trocar...
— O que está (inaudível) — disse Temer.


O dono da JBS, Joesley Batista, e o presidente Michel Temer - Reprodução


— Isso. Estou nessa. Então, está meio assim. Ele (procurador responsável pelas investigações) saiu de férias. Até nessa semana saiu um burburinho que iam trocar ele. Não sei o quê. Eu fiquei com medo... Mas, tudo bem. Eu estou contando essa história só para falar que... Eu estou me defendendo aí. Estou me segurando e tal... os dois lá, tudo bem.

GRAVAÇÃO TEM 38 MINUTOS

Além de delator da Lava-Jato, Joesley é investigado pela operação Greenfield. O áudio não deixa claro quem é o procurador citado por Joesley, mas o procurador Angelo Villela foi preso pela Polícia Federal, suspeito de passar informações sigilosas a Joesley. Agentes da PF fizeram operação de busca e apreensão no gabinete do Ministério Público no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Os áudios fazem parte da delação premiada de Joesley, antecipada com exclusividade pelo colunista Lauro Jardim, do GLOBO. A colaboração foi homologada pelo STF. A gravação tem 38 minutos. No início da conversa, o empresário procurou mostrar apoio em meio ao momento de crise econômica e política e afirmou ao presidente:

— Estamos juntos.

Em seguida, Joesley levou a conversa em direção a Eduardo Cunha.

— Como o senhor “tá” nessa situação toda do Eduardo (Cunha), não sei o quê, Lava-Jato... 

— indagou.

O presidente demonstrou insatisfação com a postura do aliado:

— O Eduardo resolveu me fustigar, né. Você viu que...

— Eu não sei, como “tá” essa relação? — insistiu Joesley.

Temer, então, fez referência a um ato de Cunha em um dos processos da Lava-Jato:
— O (Sergio) Moro indeferiu 21 perguntas dele (Cunha) que não tinham nada a ver com a defesa dele, era para me trutar. Eu não fiz nada (inaudível)... No Supremo Tribunal Federal (inaudível).

O empresário passou a detalhar a relação com Eduardo Cunha:

— Eu queria falar assim... Dentro do possível, eu fiz o máximo que deu ali, zerei tudo. O que tinha de alguma pendência daqui para ali (com Cunha), zerou toda. E ele (Cunha) foi firme em cima. Já tava lá, veio, cobrou, tal tal tal, pronto. Eu acelerei o passo e tirei da frente. O outro menino, companheiro dele que “tá” aqui, que o (ex-ministro) Geddel (Vieira Lima) sempre “tava”...

— Lucio Funaro... — interrompeu Temer.

—Isso... O Geddel que andava sempre ali, mas o Geddel perguntou, mas com esse negócio eu perdi o contato, porque ele virou investigado — explicou Joesley.

— É, é complicado, né, é complicado... — completou Temer.

Joesley ponderou que, por Geddel ser investigado, não poderia encontrá-lo. Temer o advertiu:

— Isso é obstrução de Justiça, viu? — disse Temer, numa espécie de aconselhamento. Geddel, citado nas delações da Lava-Jato, deixou o governo por um outro escândalo, quando foi revelado que tentou interferir para liberar um empreendimento imobiliário milionário em Salvador, no qual ele tinha comprado um apartamento.

—Isso, isso... O negócio dos vazamentos, o telefone lá do Eduardo, do Geddel, volta e meia citava alguma coisa meio tangenciando a nós, a não sei o quê. Eu tô lá me defendendo. Como é que, o que eu mais ou menos dei conta de fazer até agora. Eu tô de bem com o Eduardo... — reforçou Joesley.

Temer endossou a posição do empresário.

— Tem que manter isso, viu? — diz o presidente, em possível referência à compra de silêncio de Cunha.

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