terça-feira, 18 de abril de 2017

Odebrecht só pagou campanha feita por João Santana em El Salvador após intervenção de Lula, o corrupto


Marqueteiro João Santana foi preso pela Polícia Federal - Geraldo Bubniak / Agência O Globo / 26-03-2016

André de Souza - O Globo


Valor era US$ 3 milhões, mas Marcelo Odebrecht tinha autorizado 'apenas' R$ 3 milhões


Quando o pedido é em dólar, mas o pagamento autorizado é em real, um resultado é certo: alguém vai reclamar. Foi o que aconteceu durante a eleição presidencial de El Salvador em 2009, vencida por Mauricio Funes, que contou com os serviços do marqueteiro brasileiro João Santana, pago pela Odebrecht. Segundo Hilberto Mascarenhas, executivo que chefiava o chamado "departamento da propina" da empresa, o problema só foi resolvido após intervenção do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O custo da campanha de Funes totalizava US$ 3 milhões, o que dava cerca de R$ 5,3 milhões pelo câmbio da época. Mas Marcelo Odebrecht trocou a moeda e autorizou "apenas" R$ 3 milhões. O valor maior viria a ser autorizado depois por Emílio Odebrecht, pai de Marcelo e presidente do Conselho de Administração da empreiteira, após ser chamado para uma conversa em Brasília. Em depoimento prestado em 15 de dezembro de 2016 como parte de sua delação premiada, Hilberto sugeriu que o erro foi proposital.

— Eu acredito, conhecendo as pessoas envolvidas, que sempre foram US$ 3 milhões. Mas que era gostoso entender diferente. Então Marcelo tinha esse tipo de coisa. Era conveniente para ele no diálogo dele ou quem pediu a ele, ele entendeu diferente e passou para mim diferente. Não acreditava ele que fosse dar confusão, que a esposa do cara fosse ao presidente do país reclamar — disse Hilberto, fazendo um gesto que era o presidente daqui, ou seja, Luiz Inácio Lula da Silva.

Segundo Hilberto, foi a mulher de Funes, a brasileira Vanda Pignato, que já foi militante do PT, quem pediu ajuda a Lula para que Santana fizesse a campanha. Questionado como sabia que ela tinha ido reclamar com o ex-presidente brasileiro, Hilberto disse que Emílio Odebrecht relatou em uma ligação problemas em Brasília, embora sem explicitar o nome de Lula. Hilberto explicou que ele não citaria o ex-presidente em um telefonema.

— Doutor Emílio me ligou me dizendo exatamente o seguinte: "Meu filho, você está aí para me ajudar ou criar problema?" Minha resposta: "Eu pensei que estava aqui para lhe ajudar, chefe, se eu estou criando um problema, me diga qual é que eu tento resolver." E ele me disse: "Tá tendo um problema aqui, eu fui chamado a Brasília e eu não quero mais ouvir esse assunto" — contou Hilberto, acrescentando que Marcelo Odebrecht estava na ocasião nos Emirados Árabes Unidos em uma viagem de negócios.

Segundo Hilberto, Marcelo pensou que a mulher que estava criando problema em Brasília era Mônica Moura, esposa de Santana e responsável pelas finanças do marido. Chegou até a pedir que ela parasse de fazer fofoca. Além do problema do valor, Hilberto relatou outro, dessa vez em razão de um pedido da própria Mônica.

— E era uma confusão para pagar, porque ela queria receber em El Salvador. Imagine! Mas ela queria. Não, Mônica, eu vou pagar a você em uma conta sua no exterior, você dá um jeito de botar em El Salvador, faz um câmbio lá, arranje um empresário lá que lhe dê. E aí foi o que aconteceu. Como ela colocou, eu não sei — disse Hilberto, acrescentando que o dinheiro foi repassado por meio de contas que Mônica mantinha no exterior.

O pagamento para Santana fazer a campanha em El Salvador saiu da planilha "Italiano", codinome dado ao ex-ministro Antonio Palocci. Segundo Hilberto, tais gastos não eram pessoais, mas para despesas relacionadas ao governo e ao PT.

— Mônica se dirigia lá ao Planalto. Ao Planalto direto. E dizia: quem vai pagar minha campanha? Eu vou fazer a campanha para o presidente tal, o governador tal. Quem vai pagar? Aí alguém ficava responsável. Nesse caso aqui, específico, tá claro que era o Italiano. O Italiano dizia assim: não, eu vou pagar a você através da Odebrecht, eu tenho um crédito com eles e vou autorizar a lhe pagar — explicou Hilberto.

A campanha de El Salvador não foi a única feita por João Santana a ser paga pela Odebrecht no exterior.

— Eram muitos valores, muitas campanhas. E aí envolvendo o marqueteiro João Santana. Teve campanhas também no exterior que terminaram sendo pagas parte por nós. Campanha na Argentina, campanha em Angola. Ele fazia campanha e parte que era paga no Brasil era paga por nós — disse Hilberto em outro depoimento, também prestado em 15 de dezembro.

Em nota, o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins afirmou que delações são versões unilaterais de quem está tentando a liberdade ou benefícios, e não constituem provas.

"O depoente não relata nenhuma conversa dele com o ex-presidente Lula. Narra uma suposição que não encontra qualquer elemento concreto e idôneo e que incorre em erros factuais flagrantes, como a afirmação de que a primeira-dama de El Salvador seria baiana, quando ela é nascida em São Paulo. O ex-presidente Lula não participou de qualquer ato ilegal antes, durante ou depois de exercer o cargo de presidente da República", diz trecho da nota.