segunda-feira, 24 de abril de 2017

As excentricidades do banqueiro socialista Emmanuel Macron

Gabriel Brust, de Paris - Veja

Um comício de Macron se parece mais com uma reunião de start-ups de tecnologia: jovens distantes das tradicionais divisões entre esquerda e direita


Emmanuel Macron, candidato à presidência da França, durante cerimônia em monumento de homenagem ao massacre de armênios pelo exército Otomano, em Paris
Emmanuel Macron, candidato à presidência da França, durante cerimônia em monumento de homenagem ao massacre de armênios pelo exército Otomano, em Paris - 24/04/2017 (Christian Hartmann/Reuters)
Uma declaração provocativa apenas três horas depois de anunciado o resultado do primeiro turno da eleição francesa já dá sinais do excêntrico comportamento do enfant terrible que poderá habitar o Palácio do Eliseu a partir do próximo mês. “Eu não tenho lição nenhuma a receber desse mundinho parisiense”, disparou Emmanuel Macron, 39 anos, aos repórteres que o aguardavam na saída do restaurante La Rotonde, onde ele reuniu sua equipe de campanha e artistas para comemorar.
A lição a que os repórteres se referiam era a da famosa noitada de 6 de maio de 2007, quando Nicolas Sarkozy, então eleito presidente, reuniu amigos e celebridades do primeiro escalão para festejar a vitória no luxuoso restaurante Fouquet. O episódio foi deplorado pela imprensa e até mesmo por eleitores de Sarkozy como símbolo de um governo que se anunciava extremamente elitista, ou bling-bling, na expressão francesa.
O local escolhido por Macron no bairro Montparnasse não se compara em nada ao de Sarkozy – conta de 45 euros por pessoa no Rotonde contra 100 euros no Fouquet. Mas a clara irritação do jovem candidato com o paralelo estabelecido pelos repórteres dá uma pista de sua personalidade. A crítica ao “mundinho parisiense”, ao qual diz não pertencer, remete a cidade de Amiens, onde nasceu, e a praia de Touquet, onde tem residência – ambas no extremo norte da França.
Filho de dois médicos, Macron passou a conviver com a capital ainda muito cedo, quando se mudou para cursar o fim do Ensino Médio e fazer alguns anos de escola preparatória. Em seguida mudou-se a Estrasburgo, onde frequentou uma das típicas instituições formadora da elite francesa, a Escola Nacional de Administração (ENA). Começou a carreira profissional como inspetor de finanças na burocracia estatal, mas logo saltou para uma carreira bem-sucedida como banqueiro no Rothschild & Cie, onde acumulou pouco mais de três milhões de euros em quatro anos.
A trajetória, se contada apenas por seu lado oficial, é a típica de um filho da classe média alta francesa, loira e de olhos azuis. Mas não faltam detalhes que dão ares de excentricidade à vida de Emmanuel Macron. Tanto na sua formação quanto em sua vida pessoal. Antes e durante os estudos para se tornar administrador, também mergulhou na literatura e na filosofia. Sua verdadeira paixão na adolescência era a poesia e o teatro.
Foi enquanto ensaiava e encenava a peça “Jacques et Son Maitre”, de Milan Kundera, no palco da escola Providence, em Amiens, que conheceu a atual esposa, Brigitte, então professora de francês no mesmo estabelecimento. O romance com a professora sonhado por tantos adolescentes no mundo todo se tornou real para Emmanuel Macron, então com 16 anos, 20 a menos que Brigitte. Encantada pelos poemas escritos e interpretados pelo jovem aluno, ela larga marido e três filhos, poucos anos depois, para viver a relação. O namoro se torna oficial quando ele completa 18 anos. Emmanuel e Brigitte se casam em 2007. Ele hoje tem 39, ela 64.
A trajetória política de Macron também tem seus toques poucos convencionais: foi um militante ativo do Partido Socialista apenas na juventude, entre 2006 e 2009. Depois disso, se tornou muito mais próximo de algumas cabeças principais do partido do que um ativista, nunca tendo concorrido a qualquer cargo. Integrou principalmente os círculos que formulavam o pensamento econômico da nova esquerda francesa. Seu grupo ficou conhecido como Grupo do Rotonde – não por acaso o restaurante escolhido por Macron para celebrar a vitória na noite de domingo. Entre os economistas que fazem parte da irmandade e que frequentam o local estão Philippe Aghion, Gilbert Cette e Elie Cohen, que defendem um choque de competitividade na economia francesa aliado a um forte sistema de seguridade social.

Parecido com Lula?

Há apenas três anos, quando o então desconhecido jovem burocrata assumiu o Ministério da Economia por ter chamado a atenção de François Hollande, o resultado verificado na eleição do dia 23 de abril não era cogitado nem pelo mais ousado dos analistas. A trajetória meteórica se explica muito mais por uma mudança no eleitorado, ou no air du temps, como dizem os franceses, do que pela lógica política. Macron soube ler o momento e, em vez de de disputar a vaga de candidato do Partido Socialista, lançou o próprio partido – o que parecia loucura em uma república cujo sistema político não se move há décadas.
Olivier Duhamel, presidente da Fundação Nacional de Ciências Políticas da França, arrisca uma explicação, quando perguntado por VEJA como descreveria Macron para os brasileiros: “Macron é completamente o contrário de Lula quando ele se elegeu. Não falo de Lula de hoje, mas de quando foi eleito: quando ele chegou lá, foi a primeira vez que um operário chegava ao poder”, ressalva Duhamel, antes de partir para uma interpretação mais psicológica do eleitor: “Há uma coisa em comum entre Macron e o ‘primeiro Lula’: eles reverteram o sistema. Eles mudam as coisas, fazem as coisas se mexerem. Na França, as pessoas se sentiam sufocadas, e agora parece que respiram”.

Plano de governo

Ao se definir como “nem de esquerda nem de direita”, Emmanuel Macron promete radicalizar as políticas que tentou implementar enquanto ministro, sempre enfrentando forte resistência do próprio Partido Socialista. Em economia, seu perfil é muito mais liberal e próximo da direita conservadora do que da esquerda: Macron quer corte de impostos, quer demissão de funcionários públicos, quer endurecer a fiscalização do generoso seguro-desemprego francês. Por outro lado, aproxima-se do discurso politicamente correto em quase todas as causas sensíveis ao eleitor de esquerda: quer um Estado eficiente para arrecadar mais e continuar a distribuir renda, como gostam os franceses.
O perfil de seu eleitorado, extremamente jovem e pouco identificado com a clivagem esquerda/direita, pode explicar sua ascensão. Um comício de Macron se parece mais com uma reunião de start-ups de tecnologia. Da roupa moderna dos militantes aos cartazes coloridos, tudo lembra uma campanha eleitoral americana. Os voluntários, em grande parte adolescentes, são chamados de “helpers”, ou ajudantes, o que faria o francês mais tradicional tremer de indignação diante do ataque à língua pátria. Macron propõe justamente “desbloquear” o mercado de trabalho para formatos de emprego adaptados ao mundo das start-ups, com os trabalhadores independentes.
Aos eleitores mais tradicionais de esquerda, o apelo de Macron é a renovação com moderação. Jean-Claude Bonnet, engenheiro parisiense de 51 anos, sempre votou no Partido Socialista. “Agora vou de Macron, porque os outros candidatos estão aí há três ou quatro eleições e não trazem nada de novo”, contou ele a VEJA no último comício do movimento En Marche! “Macron junta as boas ideias de esquerda e da direita e também quer integrar a sociedade civil ao governo. Ele propõe um compromisso entre um certo realismo econômico e o lado social”, explica Bonnet.
Com a autoridade de ser um dos mais experientes analistas políticos da França, Olivier Duhamel crava sem receio: “Macron será eleito. Não há nenhuma dúvida sobre isso. A grande questão não é esta. A pergunta é: será que ele e os que forem ao seu lado vão fazer realmente alguma coisa para mudar o modo de governar este país? Isso ninguém sabe.”