terça-feira, 18 de abril de 2017

"2018 é o novo 1989", por Carlos Andreazza

O Globo

A 1ª eleição presidencial após a Lava-Jato se configurar como principal eleitor brasileiro transcorrerá sob signo de um país que se deseja novamente passado a limpo


A de 1989 foi a primeira eleição presidencial depois do regime militar, ápice da chamada Nova República e teste para os fundamentos inscritos pela Constituição de 1988. Havia escombros institucionais, descrédito à atividade política, colapso econômico e muitos mortos-vivos — todos em busca de permanecer, boa parte dos quais bem-sucedida na troca de pele à democracia. Ao mesmo tempo, havia esperança, alguma boa intenção — e a impressão de que era tudo novo, tudo experimento. Poucos, porém, avaliaram que tudo era também potencial erro. Vencida a ditadura, tateava-se ainda na matéria democrática e no manuseio da massa de modelar instituições. De qualquer maneira, no jeito, no peito ou na raça, daria certo: havia — ou haveria — um novo Brasil ali, em 1989, um país a ser passado a limpo.

E aqui, afinal, estamos: em 2017, véspera de ano eleitoral — e não um qualquer.

Pergunto, então: o que 1989 pode ensinar sobre 2018? Melhor: o que 2018 tem de 1989? 

Mais: não será a Lava-Jato o marco de uma nova Nova República, igualmente um fim — real ou idealizado — para um regime? Com a atividade política criminalizada, economia em frangalhos, mortos-mortos-vivos em busca de permanecer e alguns aventureiros dispostos a lançar mão, não viveremos hoje uma fissura política capaz de talhar tabuleiro eleitoral como aquele de 1989, em que tudo será, para muito além de novo, desconhecido?

Mais do que especular sobre candidatos a presidente, provoco o leitor a refletir acerca das variáveis político-econômicas — a maioria das quais de natureza excepcional — de cuja costura assustada sairá a colcha de incertezas a ser conhecida como eleições de 2018.
Antes de tudo, grana.

Não sabemos ainda — atenção — como as campanhas serão financiadas. Mas isso precisa ser definido até outubro de 2017. Com pressa, portanto. Caminho franqueado para soluções oportunistas. O dinheiro não virá de empresas privadas — algo que a Lava-Jato dinamitou. As alternativas sobrantes, contudo, plantam outros problemas — talvez ainda mais graves. Parece haver, desde Brasília, a imposição de que o sistema vigente no pleito municipal de 2016 — com partidos e candidatos bancados por pessoa física — não funciona no Brasil. O país, alega-se, não teria o hábito da doação individual — um argumento frágil. Fala-se também que tal modelo abriria terreno para que entidades de fachada religiosa, tráfico de drogas e milícias avançassem seus tentáculos eleitorais — sem dúvida, o verdadeiro risco. Diz-se também que o sistema não seria capaz de arcar com a conta de uma eleição de alcance nacional. Democracia — como sempre lembra o democrata Rodrigo Maia — custa caro. Ele, aliás, o liberal Maia, é um dos que promovem a blitz para que o Estado — sempre o Estado — seja a fonte pagadora. Isto é: para que enfim haja financiamento público de campanhas no Brasil — o sonho do PT e a mais desgraçada entre as possibilidades. E assim será — o leitor pode anotar.

Tudo decorre da Lava-Jato. Não existe agenda política no país, senão uma preenchida pelo calendário de depoimentos-delações à Justiça (e subsequentes vazamentos) e pela pauta de um Congresso que legisla não para sobreviver, mas para salvar; de modo que o sistema eleitoral em 2018 — com financiamento público (provável), veto a coligações partidárias proporcionais e (creio) voto em lista fechada — será aquele em que os políticos ora investigados projetarem as maiores chances de preservar poder.

Apostam, claro, na demora do processo judicial. É fezinha segura. O Supremo não se preparou e não tem estrutura para o que lhe virá. O cidadão que vibra com a autorização para que o Ministério Público investigue os delatados pela Odebrecht será o mesmo que logo murchará ante a lentidão de algo que ainda deverá se converter em denúncia, ser acolhido pelo STF e só então se tornar ação penal pronta para o exame da corte e posterior julgamento. Quanto tempo correrá até que um desfecho — e nada obriga que seja o dos sonhos justiceiros — haja? Nisso, nesse ritmo travado, jogam todas as fichas governo, governistas e oposição: que possam chegar à eleição de 2018 mais ou menos mortos, porém não enterrados, sem que o Supremo tenha formalmente descascado o abacaxi penal da Lava-Jato.

Se fato incontornável é que o efeito político-eleitoral do que se revela se antecipa às consequências judiciais, e se assim é fato também que há políticos importantes de reputação reduzida a pó (Aécio Neves, por exemplo), fato igualmente é que haverá sobreviventes competitivos (os capturados apenas pelo crime eleitoral de caixa 2) e, a não ser que preso, haverá Lula (Uma obviedade o distingue de Aécio: votos). Se livre, ele disputará, em 2018, a que deve ser sua última eleição pisando em chão muito parecido com aquele de sua primeira, a de 1989 (Além de Lula, Ronaldo Caiado também estava lá. Estará novamente?).

A primeira eleição presidencial depois de a Lava-Jato se configurar como principal eleitor brasileiro transcorrerá sob o signo de um país que se deseja novamente passado a limpo. 

Todos, por convicção ou senso de oportunidade, tentarão participar. O Brasil que se pretende lavar é o mesmo em que facilmente se camufla. Potencializado pela provável limitação das coligações, o novo panorama eleitoral imporá aos partidos que apresentem candidatos — ainda que apenas para sobreviver. Quase todos o farão. Talvez até DEM e PMDB. Com muitos concorrentes, é possível que alguém — Jair Bolsonaro? — belisque o segundo turno com cerca de 15%. E nessa equação há lugar para o Collor da vez e um possível Silvio Santos do século XXI. A novidade seria um competidor egresso do Judiciário. Quem?