Plataforma de petróleo da Petrobras na baía de Guanabara - Dado Galdieri / Agência O Globo / 20/04/2015
O Globo
Um ano após ter recebido do governo a missão de resgatar a Petrobras do fundo do poço, Aldemir Bendine se prepara para conduzir a terceira leva de cortes de investimentos da estatal enfrentando resistências por todos os lados — inclusive em Brasília. O processo tem sido marcado por embates entre os interesses do governo, do Conselho de Administração, hoje independente, e da diretoria, composta em sua maioria por funcionários de carreira. No novo Plano de Negócios para o período de 2016 a 2020, em elaboração, a empresa prepara um pacote de investimentos em torno dos US$ 93 bilhões, diz uma fonte a par das negociações, o que representaria queda de 5% em relação à última versão do plano (2015-2019), de US$ 98,4 bilhões.
Mas a redução dos investimentos pode ser maior se a Petrobras conseguir pôr em prática seus planos de venda de ativos, que envolvem áreas de serviços em campos de petróleo, fábricas de fertilizantes, BR Distribuidora e Braskem. Não há modelo fixo. A estatal poderá vender empresas inteiras ou fatias no capital, mas quer que os sócios antecipem a parte da Petrobras nos investimentos em projetos. Nesse cenário, diz a fonte, o corte de investimentos poderia oscilar de 15% a 20%, o que levaria o valor total a algo entre US$ 78 bilhões e US$ 83 bilhões.
Risco estratégico com queda de reservas
Será a terceira redução dos investimentos da Petrobras em menos de um ano. Em junho de 2015, a estatal havia anunciado um volume de recursos de US$ 130,3 bilhões para os anos de 2015 a 2019. Em outubro, reduziu os aportes para os anos de 2015 e 2016 em US$ 11 bilhões. E, em meados deste mês, um novo corte: o plano 2015-2019 caiu a US$ 98,4 bilhões, no menor patamar desde 2007. Na prática, a Petrobras tende a se tornar uma empresa focada exclusivamente em petróleo, com ênfase no pré-sal, e deixará para trás a ambição de ser uma estatal com atuação em todo o setor de energia.
— As conversas estão acontecendo e há discussões acaloradas entre empresa e governo. E tudo pode mudar, até porque ainda não há uma data para anunciar os novos investimentos. Na última revisão do Plano de Negócios, a Petrobras queria investimentos entre US$ 15 bilhões e US$ 16 bilhões em 2016, mas venceu o governo, que conseguiu elevar para US$ 20 bilhões. Houve pressão do governo — diz a fonte, que não quis se identificar.
Segundo outra fonte a par das negociações do plano 2016-2020, as premissas para os próximos anos já indicam queda nos investimentos futuros. Quando o plano atual, de 2015 a 2019, foi elaborado, o câmbio e a cotação do petróleo estavam em patamar mais favorável para a empresa. A expectativa da estatal para o preço do barril este ano caiu de US$ 70 para US$ 45 — ainda alto em relação ao patamar atual, pouco acima dos US$ 30. Já o câmbio esse ano subiu de R$ 3,26 para R$ 4,06 — mas, com a instabilidade dos mercados, o dólar já chegou a bater R$ 4,24. Além disso, diz um executivo do setor, o novo plano buscará gestão mais eficiente, redução de custos e disciplina de capital.
— Desde que o plano foi feito, as premissas pioraram. Os investimentos vão cair mais. O viés é de queda. Mas é cedo para dizer quanto exatamente — destaca a fonte, que participa das discussões. — Bendine veio do mercado financeiro e busca retorno a curto prazo, o que é prejudicial para a companhia. Ele foca no plano de quatro anos, não olha o longo prazo. A diretoria apoia o plano de desmonte da Petrobras, mas isso não é o correto.
No conselho, há embates sobre isso. A Petrobras não pode voltar a ser apenas uma empresa de óleo e gás.
E é por isso que o plano de venda de ativos vem rendendo discussões acaloradas entre a diretoria e seu Conselho de Administração, afirmaram outras duas fontes do setor. No Planalto, a avaliação é que a gestão de Bendine vem garantindo a melhora da credibilidade da empresa. Na busca por caixa e na tentativa de reduzir seu nível de endividamento total, que está em R$ 506 bilhões, Bendine e os diretores querem vender participações de campos de petróleo, como os do pré-sal — os mais produtivos da estatal —, mas vêm esbarrando na negativa dos conselheiros, que alegam que uma queda do volume de reservas provocaria um “problema estratégico”. Na última sexta-feira, a estatal anunciou redução de 20% em suas reservas provadas, para 13,279 bilhões de barris de óleo equivalente.
Só pré-sal foi mantido, diz fornecedor
O presidente de um dos principais fornecedores no país de equipamentos submarinos para a Petrobras detalha o que está sendo feito:
— A Petrobras decidiu manter as encomendas apenas para o pré-sal. Mas mudou todo o cronograma. Por isso, o que antes seria para 2016 pulou para 2018 e 2019. O resto foi cancelado. E aí tivemos de demitir quase 50% de nossos funcionários para nos adequarmos a esse novo cenário.
É assim que Bendine — com salário de cerca de R$ 100 mil mensais — vem lidando com os desafios entre a relação de caixa e o endividamento para os próximos anos, enquanto acaba de aprovar um plano de reestruturação interno que vai permitir economia de R$ 1,8 bilhão por ano. A companhia tem hoje US$ 127,459 bilhões em financiamentos, dos quais US$ 66,794 bilhões vencem até 2019. O prazo médio de vencimento dos financiamentos é de 7,49 anos. Segundo uma fonte, o caixa da companhia está equacionado completamente até 2017.
— Depois, em 2018, já temos de 50% a 70% equacionado. O objetivo é melhorar o risco de crédito da companhia — explicou a fonte.
De acordo com um executivo, a Petrobras busca desenvolver um modelo de negócios que não passa somente pela venda de ativos. O objetivo é conseguir sócios para fazer os investimentos da própria Petrobras. Isso, segundo o executivo, permitiria à estatal desenvolver projetos, como alguns campos ou poços de baixa produtividade, que atualmente não estão sendo tocados pela escassez de recursos, destinados prioritariamente ao pré-sal:
— Um poço que hoje não tem prioridade como investimento, considerando a relação entre custo e benefício, pode ser vantajoso a uma determinada empresa produtora, de menor porte.
Procurada, a Petrobras não comentou a redução nos investimentos.
Pragmático que coleciona desafetos
O presidente da Petrobras, Aldemir Bendine - Givaldo Barbosa / Agência O Globo
"Você não vai fazer esta companhia dar um salto e trazer ela a um ponto de equilíbrio sem ser arrojado. Você tem que ser arrojado num momento como este. Se você começar com um excesso de prudência, nós vamos levar 20 anos para consertar esta companhia”. A frase dita por Aldemir Bendine entre amigos mostra como está sendo sua gestão: rígida para ajustar o mais rapidamente possível o rumo da companhia, que já encolheu de tamanho e vai encolher ainda mais. A Petrobras não vai mais “abraçar o mundo", afirmou o próprio presidente recentemente.
Bendine completa um ano no cargo no próximo dia 6. Neste período, marcado por desavenças internas, a empresa sentiu os efeitos do maior escândalo de corrupção de sua história, foi sacudida pela queda dos preços do petróleo e pela disparada do dólar. O executivo já discutiu com integrantes do Conselho de Administração, propôs reformas e é visto com desconfiança pelo corpo técnico devido ao plano de reestruturação, que inclui o fim de ao menos 30% dos cargos comissionados nas gerências.
— Bendine é do tipo que fala o que pensa. Em uma das reuniões do Conselho de Administração, após horas de discussão sobre a reestruturação interna, começou a se falar da renovação do patrocínio da Fórmula 1, proposta que ele defendia e foi recusada pelos conselheiros. Ao fim da reunião, Bendine saiu batendo a porta — disse uma fonte.
Nesse último ano, uma das principais brigas ocorreu com o então presidente do conselho, Murilo Ferreira — que renunciou ao cargo em novembro do ano passado. Foram vários episódios. O principal desentendimento entre os dois se referia ao processo de venda de 49% do capital da BR Distribuidora. Enquanto Bendine queria acelerar a operação, para que fosse realizada até outubro do ano passado, Murilo votou contra, por considerar que antes era necessário adotar uma série de medidas, como escolher um novo presidente para a subsidiária e elaborar um plano de negócios para a distribuidora.
Comunicação só por carta
Mas outra fonte lembra que havia também uma disputa de poder entre os dois:
— Antes de Bendine assumir a companhia, Murilo foi convidado pela presidente Dilma Rousseff para comandar a estatal. Apesar de recusar a proposta, Murilo aceitou comandar o Conselho de Administração. E, com isso, ele queria ter direito de escolher o presidente da estatal. Mas isso não ocorreu. E havia uma briga de poder entre os dois.
Entre os funcionários, muitos apelidos e piadas: desde “Vendine” — em referência à venda de ativos — a “Cadê o presidente?”. Um funcionário lembrou que, diferentemente dos antecessores, Bendine não aparece em eventos internos, como as homenagens aos funcionários mais antigos. Há quem brinque dizendo que ele é TQQ (terça, quarta e quinta), numa alusão aos dias da semana em que ele daria expediente na sede da empresa no Rio.
Outros se referem a ele como TQ (terça e quarta). A piada ganhou força porque Bendine vem assumindo postura discreta, com raras aparições públicas. Além do Rio, ele costuma viajar para São Paulo, Brasília e Vitória.
— Ele sumiu. Ninguém o vê. Só se comunica via carta com os funcionários. Ele não aparece. A sensação que a gente tem é que não quer se “sentir” incorporado como parte do quadro funcional da companhia e que está aqui apenas para tomar algumas decisões e depois sair da empresa — disse um funcionário com 30 anos de Petrobras.
Para mostrar a pouca comunicação com os empregados, segundo outro funcionário, ninguém sabia que estava em estudo a venda de parte da Transpetro. Nem o presidente da subsidiária saberia dos planos, segundo fontes.
— A distância do Bendine com os empregados traz muita insegurança. Todos se perguntam se terá novas demissões. Basta entrar no elevador para ver alguém chorando porque foi demitido — disse outro funcionário.
Por outro lado, um executivo próximo destacou que, independentemente dos dias em que Bendine está na sede da empresa, o mais importante é como conduz as mudanças na estatal para corrigir seu rumo:
— Ele está longe de ser um mau executivo. Ele é pacifista e tem boa relação com o governo e os diretores. Ele chega e sai na hora. Detesta longas reuniões, é prático e objetivo.
Religioso e devoto
Ao assumir a Petrobras, Bendine, que era funcionário de carreira do Banco do Brasil (BB) e presidente do banco desde 2009, levou junto Ivan Monteiro, que até então era vice-presidente de Gestão Financeira no BB. Hoje, Monteiro é considerado peça-chave na reconstrução da companhia. Foi a dupla que conseguiu, em meio ao auge da crise de confiança devido à Operação Lava-Jato, publicar o balanço auditado da estatal referente ao ano de 2014 e, em seguida, divulgar o Plano de Negócios 2015-2019.
— A única pessoa que Bendine levou para a Petrobras foi Ivan Monteiro. Bendine nunca escondeu de ninguém que se assustou ao ver uma empresa com estrutura tão inchada. E, aos poucos, foi afastando alguns executivos que ocupavam cargos estratégicos em diversas gerências. Em seguida, começou a enxugar os quadros da empresa com a redução dos contratos de terceirizados — destacou uma fonte.
Religioso e devoto de Nossa Senhora Aparecida, Bendine também fez uma mudança que causou mais críticas. Em momento de corte de custos, ele decidiu fazer obras no 23º andar da sede (Edise) onde ficava a diretoria. Para isso, fez obras no Edifício Senado para abrigar os diretores. Agora, diz uma fonte, ninguém sabe onde a diretoria vai permanecer.