sexta-feira, 4 de julho de 2014

"Tiros no pé", por José Paulo Kupfer

O Globo

Em um tempo em que a disseminação das redes sociais potencializa comportamentos e manifestações coletivas, depois do “Imagina na Copa” e do “Não vai ter Copa”, chegou a hora do outro lado da moeda com o mote “Quem paga o prejuízo?” A verdade é que, derrubando expectativas pessimistas longamente acalentadas, o Mundial deu certo, inclusive com uma surpreendente soma de qualidade e carga emocional dentro das chamadas quatro linhas. O vexame organizacional, tão insistentemente apregoado, não se confirmou.

Um primeiro balanço, mesmo que mais impressionista do que sustentado em números, deixa evidente que houve um excesso de desconfiança em relação à capacidade brasileira de promover um evento desse porte e que esta capacidade foi subestimada. O que se deixou de adicionar em divisas e movimentação da economia nunca poderá ser devidamente contabilizado. No fim das contas, as expectativas venceram a realidade, configurando um clássico tiro no pé.

Sim, não se deve substituir a depressão do “Imagina na Copa” pela euforia da “Copa das Copas”. O negócio acabou dando certo, mas aos trancos e barrancos, com ineficiências, improvisações, atrasos, superfaturamento e desvio de recursos. Muita coisa ficou incompleta, inclusive o planejamento para utilização produtiva dos estádios e seus entornos depois da festa.

O caso da Copa no Brasil está longe de ser uma novidade. No mundo contemporâneo hiperconectado, as expectativas turbinadas não só antecipam possibilidades como tendem, muitas vezes, a concretizar hipóteses falsas. Um exemplo dos bons, que ainda está fresco na memória de muitos, apesar de passada já uma dúzia de anos, remete ao tumulto produzido na economia brasileira pelo reforço da expectativa de vitória de Lula, nas eleições de 2002.

A hipótese da chegada do fim do mundo não tinha base efetiva alguma, mas arrastou a taxa de câmbio e os indicadores econômicos para o precipício, afugentando investidores estrangeiros. Ajudou a empurrar o país para a beira de um colapso externo e deu tons ainda mais dramáticos a um acordo urgente de salvação, negociado com o FMI, com exigência inédita, no caso brasileiro, de aval do candidato oposicionista à Presidência.

São inúmeros os episódios históricos de profecias autorrealizadas. Mas a aceleração de suas ocorrências é fenômeno dos dias atuais. Há um ano, por exemplo, a crença de que o Federal Reserve (banco central americano), nos Estados Unidos, estaria prestes a reverter a liquidez que despejara na economia desde a eclosão da crise global de 2008 lançou investidores, como nuvens de gafanhotos predadores, nos mercados emergentes. Não era verdade, como logo se viu, mas os prejuízos deixados por semanas de devastação financeira, afetando inclusive a economia real, sobretudo em países como o Brasil, foram concretos e impossíveis de calcular.

O resumo dessa ópera é que governos e sociedades estão diante de um novo desafio. No terreno fértil da circulação desenfreada e sem filtros de informações, como evitar a proliferação dos tiros no pé com origem em crenças travestidas de verdade? O antídoto universal para esse típico problema de comunicação ainda não foi descoberto. Parece claro, de todo modo, que a fórmula deveria incorporar na receita mais informação e, antes de tudo, mais transparência.

José Paulo Kupfer é jornalista


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