Giancarlo Lepiani, com fotos de Ivan Pacheco - Veja
Enquanto a seleção da casa chegou à fase decisiva da Copa improvisando um time, a finalista apostou num estilo e em jogadores desenvolvidos durante anos

Os jogadores da seleção alemã na goleada histórica sobre o Brasil, na semifinal da Copa do Mundo, no Mineirão - Ivan Pacheco/VEJA.com
A confiança inabalável no trabalho da comissão técnica escolhida para conduzir a Alemanha ao triunfo pode até não ter resultado em nenhum grande troféu até agora. Uma vantagem inquestionável dessa filosofia, porém, é o entrosamento da equipe , que tem um estilo de jogo desenvolvido ao longo de vários anos e conta com um grupo completo de atletas testados e aprovados
Outros, porém, são pavimentados a partir de um planejamento detalhado, com investimento pesado e organização impecável. É o caso da seleção alemã, que tentará conquistar o tetracampeonato depois de atropelar o Brasil na semifinal, na terça-feira sinistra de Belo Horizonte. Enquanto a anfitriã do Mundial chegou à hora da decisão na base do improviso (ainda que sua comissão técnica insista em um discurso cheio de soberba, gabando-se de seu planejamento para o torneio), a finalista europeia preparou-se com muito trabalho (e muito dinheiro) para chegar ao Rio de Janeiro no domingo. O técnico Luiz Felipe Scolari – que assumiu o cargo no fim de 2012, mudou quase toda a comissão técnica e mexeu de forma radical no time e no estilo de jogo da seleção –, disse várias vezes ao longo da Copa que não se arrependia de nada e que o planejamento feito por sua equipe na CBF foi nada menos que exemplar e irretocável. Essa programação, entretanto, é de alguns meses atrás. A Alemanha começou a plantar as sementes de seu quarto título mundial há mais de uma década – e mesmo que os frutos não sejam colhidos já neste domingo, a Mannschaft ainda terá muitas outras safras de grandes atletas para disputar outros troféus.
Desde o fiasco de sua seleção na Eurocopa de 2000, quando a equipe não passou da primeira fase (empatou com a Romênia e perdeu para Inglaterra e Portugal), a federação alemã se reestruturou, traçou um plano de longo prazo e passou a trabalhar de forma integrada, valorizando principalmente a descoberta de novos valores. Passados catorze anos, a equipe que veio à Copa no Brasil (e que chegou às últimas quatro quatro semifinais de Mundial) é uma boa mescla de atletas experientes, como o recordista de gols Miroslav Klose e o zagueirão Per Mertesacker, jogadores que se transformaram em referências do time, como o capitão Philipp Lahm e o volante Bastian Schweinsteiger, e jovens extremamente talentosos, como os incríveis Toni Kroos, Thomas Müller, André Schürrle e Mario Götze. Como a federação trabalhou com a estabilidade e a regularidade, elementos importantes da cultura e do estilo de vida alemães, esses jogadores formam a base da equipe há anos, e o técnico, Joachim Löw, está na comissão técnica há nada menos de uma década. Primeiro como auxiliar de Jürgen Klinsmann (na Copa das Confederações de 2005 e na Copa do Mundo de 2006) e depois como técnico, Löw passou em branco em cinco grandes competições. Em todas elas, contudo, chegou pelo menos à semifinal (na Eurocopa de 2008, foi vice-campeão).
Testados e aprovados - A confiança inabalável no trabalho da comissão técnica escolhida para conduzir a Alemanha ao triunfo pode até não ter resultado em nenhum grande troféu até agora. Uma vantagem inquestionável dessa filosofia, porém, é o entrosamento da equipe, que tem um estilo de jogo desenvolvido ao longo de vários anos e conta com um grupo completo de atletas testados e aprovados na seleção. O Brasil chegou à semifinal da Copa disputada em seu quintal com uma equipe que jamais havia entrado em campo junta, e que tinha sido ensaiada apenas por alguns minutos, em treino de véspera de jogo, na Granja Comary (de acordo com Luiz Felipe Scolari, para “confundir os jornalistas” e impedir que os alemães soubessem da escalação para a semifinal). Se a dupla de zaga formada por David Luiz e Dante ainda não se conhecia bem, se o ataque formado por Bernard, Hulk e Fred não tinha afinidade alguma em campo, se o meio com Luiz Gustavo e Fernandinho tinha rodagem limitadíssima, a Alemanha que entrou em campo para golear o Brasil no Mineirão tinha oito atletas que estiveram em campo na semifinal que perdeu em 2010 para a Espanha (Neuer, Lahm, Boateng, Khedira, Schweinsteiger, Ozil, Kroos e Klose) e dez que participaram da semi da Eurocopa de 2012, em que foi derrotada pela Itália.
Mesmo que o título escape de novo, que Löw deixe o cargo e que a Alemanha caia diante da Argentina no Maracanã, é certo que muitos deles – Kroos, Müller, Götze, Schürrle, Hummels, Neuer – estarão na Rússia daqui a quatro anos. E ainda há Marco Reus (24 anos) e Ilkay Gündoğan (23), que não vieram ao Brasil porque estavam machucados, mais promessas do quilate de Julian Draxler (meia de 20 anos que está no grupo da Copa) e Marc-André ter Stegen (goleiro de 22 anos que acaba de chegar ao Barcelona). Ainda nesta quinta-feira, o massacre sofrido pelos pentacampeões no Mineirão custa a ser digerido pelo torcedor brasileiro. Mas basta examinar a trajetória percorrida por cada equipe até a chegada à partida fatídica de Minas Gerais – uma delas, construída com convicção e competência; a outra, improvisada na base do jeitinho e da intuição – para começar a entender o que fez a seleção da casa entrar em colapso enquanto a favorita à conquista do título não parava de marcar gols, marchando firme rumo à glória.
Os 7 golaços da Alemanha no Brasil (antes da Copa)
Filosofia de trabalho
Desde 2000, a Alemanha investe pesado em um programa nacional de formação de jogadores. O programa de treinamento dos garotos alemães é o mesmo em todas as cidades do país, e todos têm seu talento desenvolvido dentro do mesmo conceito de futebol, com o mesmo método de trabalho.
Comissão técnica
Joachim Löw começou na seleção como auxiliar técnico e foi promovido a treinador há dez anos. Não ganhou nenhum título até agora. Mas o desempenho consistente (terceiro lugar em dois Mundiais, finalista do atual, vice da Eurocopa) e o bom futebol da equipe o garantiram no comando da equipe.
Formação do elenco
Enquanto o Brasil testou mais de uma centena de jogadores no ciclo iniciado desde a eliminação da última Copa, em 2010, a Alemanha já tinha uma base pronta; só aperfeiçoou o entrosamento e encaixou novas peças, fortalecendo ainda mais o time. Mesmo os mais jovens são experientes.
Preparação da equipe
Enquanto o Brasil permaneceu na fria Granja Comary, que recebeu uma reforma milionária antes da Copa, a Alemanha fez uma adaptação melhor às condições climáticas que encontraria na maioria de seus jogos. A base própria construída no litoral da Bahia ajudou o time a render o máximo na Copa.
Calendário da seleção
Se a seleção brasileira quase não joga no Brasil e depende dos desejos de uma empresa estrangeira para marcar suas partidas (a CBF vendeu seus amistosos, que são organizados de acordo com interesses comerciais), a Alemanha decide seus próprios adversários e atua quase sempre em casa.
Atuação dos cartolas
Entre uma Copa e outra, a CBF teve renúncia de presidente acusado de corrupção, uma sucessão decidida pela idade do vice e uma eleição antecipada para fugir do impacto negativo de uma derrota na Copa. A federação alemã teve uma troca de comando, mas dentro de uma sequência natural e lícita.
Campeonato local
Enquanto a CBF se desgasta administrando um Campeonato Brasileiro ainda muito ruim, a federação alemã só cuida dos assuntos relativos às seleções e ao desenvolvimento da modalidade. A Bundesliga, um dos melhores campeonatos nacionais do planeta, é gerenciada pelos próprios clubes.
Marcas extraordinárias na goleada alemã
Na história dos Mundiais
- Foi a primeira vez que uma equipe marcou sete gols em uma partida semifinal de Copa- Nunca um anfitrião de Copa do Mundo tinha sofrido tantos gols no torneio: onze até agora
- Foi a pior derrota de uma anfitriã (superando os 5 a 2 do Brasil contra a Suécia, em 1958)
- Um time não marcava 5 gols no primeiro tempo havia 40 anos, desde o Mundial de 1974
- Pela primeira vez um país-sede se despede sem ter jogado no principal estádio do torneio
No currículo do Brasil
- Foi a primeira vez que o Brasil sofreu mais de cinco gols em uma partida de Mundial- Foi a pior derrota sofrida pela equipe em Copas (superando os 3 a 0 da decisão de 1998)
- É a primeira vez desde 1938 que o Brasil chega à semifinal mas não avança à decisão
- Os 6 gols de diferença igualam a margem da pior goleada do país, 6 a 0 para o Uruguai
- É a primeira derrota da equipe numa partida oficial em casa desde 1975 (1 a 0 para o Peru)
Na trajetória da Alemanha
- É primeira equipe a marcar 5 gols como visitante contra o Brasil desde a Argentina em 1939- É a seleção mais goleadora das Copas, com 223, superando o Brasil, com dois a menos
- A equipe precisou de apenas 179 segundos para marcar três gols (dos 2 a 0 aos 4 a 0)
- Nunca um time havia construído uma vantagem de 5 a 0 tão rapidamente em Copas (29 minutos)
- Nunca um time havia castigado um adversário com tantos gols em tão pouco tempo nas Copas
Desempenhos individuais
- Miroslav Klose agora é o maior goleador da história dos Mundiais, com dezesseis gols no total- Thomas Muller é apenas o terceiro jogador a marcar cinco ou mais gols em duas Copas
- Muller é o 13º jogador a passar de dez gols em Copas, o quinto alemão a atingir essa marca
- Muller agora soma dez gols e seis assistências em só doze partidas de Mundial disputadas
- Toni Kroos passou a ser o jogador que marcou dois gois num intervalo mais curto, 69 segundos