O Estado de São Paulo
O cenário não é desejável, mas nem de longe pode ser deixado de lado. A
hipótese de que a atmosfera de violência venha a contaminar o ambiente durante o
auge das campanhas eleitorais País afora está no horizonte. E bem próximo.
É evidente que o clima de furor urbano extrapola a insatisfação com os gastos
da Copa do Mundo. Não é crível que os saques, as greves de policiais, as
depredações, os linchamentos, os incêndios, a ultrapassagem de todos os limites,
o desrespeito generalizado tenha relação exclusiva com o Mundial de futebol.
O ódio está no ar. E não vai passar. Durante o mês de campeonato, asseguram
as autoridades, a balbúrdia cotidiana será contida mediante a ocupação de
território pelas forças de segurança. E deve ser isso mesmo. Forçosamente alguma
paz de fato estará garantida.
Pois bem, e depois? Depois as campanhas eleitorais estarão efetiva e
legalmente nas ruas, mas nada autoriza a crença de que a calma reinará. Não que
a pasmaceira dos últimos tempos pré-junho de 2013 seja o ideal. Aquela
indiferença, aquela apatia diante de determinadas barbaridades realmente uma
hora tinha de acabar.
Nota-se nitidamente neste ano eleitoral um interesse muito maior pela
política. Em toda parte as pessoas comentam o assunto, até para desqualificá-lo.
Essa parte, o debate é extremamente salutar.
O problema é o ambiente de intolerância geral, com tendência à delinquência.
Se, como se alega, a Copa foi uma oportunidade para as cobranças virem à tona e
degenerarem para situações de completo caos, não parece que seja um exercício de
pessimismo à deriva supor com grande chance de acerto que a proximidade das
eleições seja vista da mesma forma.
Com agravantes: oportunismo de corporações irresponsáveis, conflitos entre
militantes partidários cuja virulência na internet é algo assustador, incitação
de grupos políticos interessados em criar dificuldades para adversários que
estejam no poder (federal, estaduais ou municipais) ou em imputar-lhes falsas
acusações. O terreno é fértil para exageros inadmissíveis.
Caso as altas autoridades ainda não tenham se dado conta, quem está na labuta
do dia a dia trabalhando direto com isso percebe perfeitamente bem do que se
trata. Na terça-feira, durante a greve-surpresa de ônibus - muito bem
qualificada pelo prefeito Fernando Haddad como "sabotagem" (é esse o nome) - uma
senhora perguntou a um policial o que estava acontecendo. Resposta: "Protesto, o
que vai acontecer até o dia 5 de outubro".
Se houver protesto, manifestações, reclamos, cobranças, tanto melhor. É do
jogo. Anarquia, destruição, selvageria, devastação são outras de natureza muito
diferente. Portanto, péssimo. Ainda mais que estaremos vivendo um dos momentos
(não o único) mais nobres da democracia: a escolha dos governantes.
Por democracia entenda-se regime de legitimidade das leis, o que é
autoexplicativo em termos de potencial de prejuízo para o próprio processo, em
caso de descontrole.
Tanto o poder público constituído quanto os candidatos de oposição a ele - em
todos os níveis - têm uma responsabilidade que ainda não se vê expressa nas
agendas dos que disputarão as eleições. Fácil, a tarefa não é.
Fazer o quê, reprimir? Ninguém quer. É complicado até mesmo defender a tese,
dado que além de todos desejarem o voto dos manifestantes, os brutos também
votam.
Dose tripla. Em fevereiro de 2012, o ministro do Esporte,
Aldo Rebelo, perguntou ao ministro inglês que coordenava os trabalhos da
Olimpíada de Londres quais eram as três preocupações que ele deveria ter em
relação aos jogos de 2016, no Rio.
"COI, COI, COI", respondeu o colega, referindo-se ao Comitê Olímpico
Internacional, a Fifa da Olimpíada.