sexta-feira, 18 de abril de 2014

Mauro Paulino, do Datafolha: "Será a eleição mais imprevisível"



Otávio Cabral - Veja

O diretor do Datafolha diz que a alta rejeição à classe política, o desejo de mudança do eleitorado e a Copa do Mundo fazem com que esta eleição seja diferente de qualquer outra

O sociólogo Mauro Paulino está desde 1986 no Datafolha, o único instituto do país que não faz pesquisas para partidos políticos. Ele acompanhou todas as eleições presidenciais desde a redemocratização — e acertou a grande maioria dos resultados. Com base nessa experiência, diz que a eleição presidencial deste ano reúne elementos que fazem dela um desafio inédito para os pesquisadores. Embora a economia continue a ser o fator mais influente, afirma, ela já teve peso maior antes. Hoje, o brasileiro está muito mais crítico em relação aos políticos e mais exigente quanto ao que espera deles. Para o pesquisador, o ex-governador Eduardo Campos é o candidato de oposição com mais chance de conquistar esses descontentes.


Pelos dados da última pesquisa, já é possível dizer que a eleição presidencial será decidida em dois turnos?

A principal característica desta eleição é a imprevisibilidade. Qualquer eleição neste período é imprevisível, mas tem alguma lógica. Em 2010, por exemplo, Dilma era desconhecida de boa parte da população, mas tinha um cabo eleitoral com grande potencial. Então, havia como fazer simulações, dez meses antes, mostrando como Lula poderia transferir votos para elegê-la. Mas agora isso não é possível. Surgiu um fato na eleição deste ano que é completamente novo: a Copa do Mundo no Brasil, bem no meio do período da campanha.


Copa influencia eleição?

Normalmente, não. Tanto que, em 2002, o Brasil foi campeão e o partido do governo perdeu. E, em 2006 e 2010, o Brasil perdeu e o partido do governo ganhou. O que importa agora não é o desempenho do Neymar, mas a organização, o sucesso ou o fracasso do Brasil como anfitrião. Outra coisa a levar em conta é a possibilidade de haver novas manifestações. Neste clima de hoje, em que o brasileiro está mais crítico em relação ao governo do que estava em junho passado, pode-se criar um ambiente que influencie diretamente a eleição. Só não dá para saber em que direção.


Esta é a eleição mais difícil para os institutos de pesquisa desde 1989?

Sem dúvida, é a mais imprevisível. A última pesquisa mostra que os três principais candidatos têm um elevado índice de rejeição — o que, no fundo, revela uma aversão generalizada à classe política. A expectativa de inflação alta e um desejo de mudança muito grande de 72% da população tornam o resultado das urnas ainda mais imprevisível.


Em 2002, havia um sentimento de mudança e o partido no poder perdeu. Nas duas eleições seguintes, o sentimento era de continuidade e o governo venceu. Agora, o sentimento é de mudança, mas o governo lidera. Não é uma contradição?

Há um desejo de mudança da parte da população, mas há também um reconhecimento por ganhos, principalmente entre os mais pobres, o que fortalece o candidato do governo. A oposição não se apresentou ainda. Ou digamos que, no pouco que apresentou, não convenceu.


Qual dos opositores tem mais condições de conquistar esses descontentes?

À primeira vista, Campos. Ele conseguiu, logo após as aparições na televisão, elevar um pouco suas intenções de voto, coisa que o Aécio não conseguiu. Além disso, a Marina Silva, sua provável candidata a vice, tem uma capacidade de transferência de votos maior do que os cabos eleitorais do Aécio — maior do que o Fernando Henrique, principalmente. Mas ainda é cedo para ter uma análise conclusiva, já que os dois são muito desconhecidos: 60% só ouviram falar do Aécio ou não o conhecem. E 75% dizem o mesmo de Campos. Eles têm o trunfo de ser bem avaliados onde
são conhecidos, mas precisam espalhar essa popularidade.


Dilma tem 36% de "ótimo" e "bom". A partir de qual taxa de aprovação a reeleição fica impossível?

Há um estudo que comparou as taxas de "ótimo" e "bom" dos governadores e presidentes com o sucesso de sua reeleição. Ele concluiu que o limite mínimo de "ótimo" e "bom" para um governante se reeleger é de 34%. A presidente Dilma está com 36%. Esse marco funcionou nas últimas quatro eleições presidenciais brasileiras.


Qual o maior adversário de Dilma?

É a economia. Os índices de preocupação com o futuro são mais contundentes do que os observados antes das manifestações — 65% acham, por exemplo, que a inflação vai aumentar. É a maior taxa desde o governo Fernando Henrique.


Do mesmo modo que a economia ajudou Lula a fazer sua sucessora, agora pode impedir a reeleição de Dilma?

Pode ser. A economia continua sendo o fator mais influente, mas em eleições anteriores teve peso maior. Hoje, o eleitor também está muito critico em relação à qualidade dos serviços públicos. O brasileiro teve uma melhora de vida, mas os serviços públicos e privados sofreram deterioração. Isso faz com que tanto a nova classe média como a classe média tradicional estejam bastante descontentes. Esse descontentamento pode chegar às urnas.


As denúncias de corrupção na Petrobras têm potencial de desgastar eleitoralmente o governo?

Sem dúvida. Mais da metade da população tomou conhecimento do caso Petrobras. Esse é o escândalo do momento, embora haja um acúmulo de notícias de corrupção que não envolvem só o governo, mas também a oposição. Isso cria uma rejeição à classe política que talvez só tenha tido similar na ocasião do impeachment de Collor.


Os programas sociais fidelizaram o eleitorado mais pobre ao PT?

A fidelidade existe. Esses benefícios são diretamente associados ao governo petista, principalmente ao Lula. Mas existe também um crescimento do espírito crítico desse eleitorado. Só o Bolsa Família não é mais suficiente, já foi incorporado. O eleitor quer mais.

Não medimos isso. Certamente haveria um desgaste para ele, mas isso seria rapidamente superado. Lula hoje lidera disparado como o nome mais capacitado para "mudar". Poderia captar a memória afetiva de seu governo e, ao mesmo tempo, encarnar esse espírito de mudança. O "Volta Lula" é justificável em números.


Quais os maiores desafios de Aécio?

É se tornar conhecido com o pouco tempo de que vai dispor na televisão. Ele precisa encaixar um discurso que contemple os anseios de mudança. E superar a elevada rejeição que há ao governo Fernando Henrique.


E os de Campos?

Os mesmos do Aécio, com a vantagem de não ter de superar essa rejeição de um cabo eleitoral. A desvantagem é que ele tem um partido menor e menos tempo de televisão.


Na última eleição presidencial, um quarto do eleitorado não escolheu candidato. As pesquisas mostram que esse dado pode se repetir?

Há uma probabilidade de que a taxa de brancos e nulos seja ainda maior. O legado emocional da Copa pode contribuir nesse sentido. O Datafolha apurou que o porcentual da população que tem orgulho de ser brasileiro caiu de 87% para 78%. É a primeira queda em treze anos. O porcentual dos que dizem ter vergonha de ser brasileiros subiu de 11% para 20%. Se essa decepção aumentar com a Copa, pode se refletir em uma maior abstenção.


O brasileiro dá importância demais às pesquisas eleitorais?

De fato, dá-se uma importância às pesquisas, principalmente em períodos ainda pré-eleitorais como agora. Não vejo justificativa para um resultado de pesquisa, nesta fase, provocar variações na bolsa. Em nenhum outro lugar do mundo é assim.


Sites e blogs financiados pelo PT, pelo governo e por estatais acusaram o Datafolha de alterar a ordem das questões da pesquisa para prejudicar Dilma. Tem fundamento?

Isso é uma grande mentira. Em anos eleitorais, os questionários do Datafolha sempre começam com intenção de voto e avaliação de governo. Depois disso, vêm outras perguntas para ajudar a explicar o processo eleitoral. A internet, da mesma forma que democratiza a informação, também permite uma disseminação criminosa de notícias falsas.


Pesquisa influencia voto?

Claro. É uma informação cada vez mais difundida, que o eleitor leva em conta junto com outras que recebe. Acho legítimo que influencie. Democracia é isso, um jogo de influências.


As pesquisas contam com recursos cada vez mais refinados. Por que a taxa de erros não cai?

Existe um erro comum em pesquisa que é a tentativa de projetar os resultados de hoje para o futuro. Quando o Datafolha divulga que Dilma neste momento caiu 6 pontos, está mostrando o quadro atual, não o resultado da eleição. Nem é uma tendência ainda, já que é preciso mais uma pesquisa para confirmar a continuidade da queda. Nada impede que ela se recupere daqui a um mês — e, aí, toda essa especulação que se fez cai por terra. O que não cai é o dinheiro que ganharam os especuladores que se locupletam com base nessas notícias. Muitas vezes as pessoas esquecem uma frase que é tão chavão quanto verdade: a pesquisa é a fotografia do momento. As pesquisas são feitas porque não dá para consultar a totalidade da população toda semana. Então, inventou-se o processo de amostragem para conseguir ter um resultado aproximado a respeito do que pensa determinada parcela da população sobre determinado tema. Isso gera uma série de limitações para o método — limitações que são definidas pela margem de erro e pelo intervalo de confiança. No caso da última pesquisa presidencial do Datafolha, a margem de erro é de 2 pontos porcentuais e o intervalo, de 95% de acerto. Significa que, se fizermos 100 pesquisas, nas mesmas condições, em 95 delas o resultado estará dentro dessa margem.


O que o senhor acha do projeto de proibir a divulgação de pesquisas pouco antes das eleições?

Pesquisa é a grande paixão dos políticos. É uma paixão tão grande que eles querem as pesquisas só para eles. Querem ter o poder de divulgar só quando interessa. Se há um consenso no Congresso hoje é o de que é necessário proibir a divulgação de pesquisas quinze dias antes da eleição. Mas é preciso lutar contra isso. Toda restrição é antidemocrática. O eleitor tem o direito de considerar essa informação para definir o seu voto. Ele tem discernimento. O maior acerto que um pesquisador pode ter é conseguir dar antes de outros institutos uma subida ou uma queda importante. Aí, a gente comemora.


Qual a lição a tirar desse erro do Ipea, que divulgou que 65% dos brasileiros concordam que "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas", quando o número correto é 26%?

O Ipea teve o mérito de corrigir o seu erro. Mas mesmo os números corrigidos podem continuar a suscitar dúvidas. A pesquisa domiciliar, da forma como o Ipea fez, distorce a amostragem. Eles ouvem os pesquisados em casa, durante o dia. Nesse horário é mais provável encontrar em casa pessoas mais velhas, mulheres e pessoas com baixa escolaridade. Esses perfis não são representativos da população brasileira. Na amostra de entrevistados do Ipea, mais de 65% são mulheres, enquanto a taxa real da população brasileira feminina é de 52%. Eu não concordo com quem dá valor a essas aferições meramente probabilísticas. A confusão recente do Ipea só reforçou minhas convicções. Foi um erro que manchou a credibilidade não só deles, mas de todos os institutos de pesquisa.